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Chutou, é fogo, é gol II – A pintura e a poesia

Postado por: Marcos Abrucio

Rio de Janeiro, 16 de julho de 1950. Depois do apito final, só se ouviu o silêncio.

200 mil brasileiros estavam em choque. E não muitos uruguaios estavam lá para comemorar: sem esperança do título, os dirigentes da celeste voltaram para casa antes do jogo. “Só ficaram o técnico, o preparador físico e três massagistas”, lembra Ghiggia, aquele que martelou o último prego no nosso caixão.

Depois daquele velório, o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, enquanto o futebol uruguaio mergulhou em uma longa decadência. Até hoje, procuram substitutos para Ghiggia, Varela, Máspoli…

Os heróis de 50. Ou vilões, né.

Os heróis de 50. Ou vilões, né.

Até os 15 anos, Victor Hugo Morales acreditava que poderia ser um desses caras. Treinava todos os dias para ser o próximo uruguaio a levantar a Copa. Mas então teve a revelação: era ruim demais para isso. Decidiu se tornar jornalista – esportivo, é claro.

Ele nunca imaginaria que essa decisão o faria participar de um dos maiores momentos da história das Copas. E que, nesse momento, ele não vestiria as cores do Uruguai, mas da rival da outra margem do Rio da Prata: a Argentina.

***

Colônia do Sacramento, 20 de abril de 1964. Com apenas 16 anos, Victor Hugo vai pedir emprego na Radio Colônia. Dois anos depois, já era, segundo ele, o locutor mais jovem das Américas.

Logo foi para Montevidéu, onde acumulou os cargos de narrador e diretor de esportes da Radio Oriental. No fim da década 70, sua oposição à ditadura uruguaia começou a lhe causar problemas. Pressionado pelos militares, mudou-se para a Argentina em 1981. Nunca mais voltou.

Na Copa de 1982, narrou para a TV argentina aquele Itália 3 x 2 Brasil, ugh. O jogo acabou e Victor Hugo olhou para a arquibancadas, onde os torcedores antes batucavam sem parar. Viu os brasileiros mais uma vez calados.

Foi uma das poucas vezes na carreira em que se sentiu completamente vulnerável. Começou a chorar imediatamente:

“Me partió el corazón el silencio de los espectadores brasileños. No entendían nada en la tribuna del estadio.”

20032013_Rossi

Nossa segunda morte.

Quatro anos depois, sua emoção seria ainda mais forte.

***

Cidade do México, 22 de junho de 1986. O locutor uruguaio-argentino estava tenso. Primeiro, porque tinha parado de fumar e sentia uma fome incontrolável. Estava 14 quilos mais gordo.

Mas o motivo principal era o jogo à sua frente: Argentina x Inglaterra, valendo uma vaga nas semifinais da Copa do México. Mentira: a partida valia muito mais do que isso.

(Um ótimo relato dela está aqui.)

Dentro de campo, argentinos e ingleses se estranhavam desde 1966, quando o pau quebrou em plena Copa do Mundo. Depois de pontapés e xingamentos dos dois lados, o argentino Rattín acabou expulso. Na saída, torceu a bandeira do Reino Unido pendurada no escanteio e se sentou no tapete da rainha. Os ingleses se saíram vencedores e passaram a chamar carinhosamente os rivais de “animais”.

Fora de campo, a encrenca foi mais séria. Em 1982, tropas argentinas tentaram recuperar o controle das Ilhas Malvinas, em uma manobra populista dos militares que governavam o país. No começo, a manobra deu certo, despertando o sentimento patriótico nos hermanos. Mas logo o poderio bélico inglês se impôs, e as Ilhas voltaram a se chamar Falklands, ao custo de quase mil mortos, em sua maioria argentinos.

De volta ao jogo, agora em definitivo. Victor Hugo começa a narrar. Primeiro tempo morno, 0 x 0. No segundo, ele vê Diego Armando Maradona reescrever a história, ops, História.

Aos 6 minutos, El Pibe vence uma disputa aérea com Peter Shilton e abre o placar. O estádio inteiro viu que foi com a mão. Bilhões de pessoas ao redor do mundo viram que foi com a mão. O juiz não. Tão incrível quanto isso é um cara de 1,65 cm conseguir subir mais que um goleiro um palmo mais alto do que ele…

Sai que é sua, Shilton!

Sai que é sua, Shilton!

Uma animosidade de 20 anos atravessada na garganta, uma guerra fresca na memória, um gol de mão recém-convertido. Tudo isso borbulhava na cabeça de todos.

Aí Maradona, em um equivalente futebolístico de um solo perfeito de guitarra, pegou a bola em seu campo, driblou meio time da Inglaterra e tocou para dentro. Ele não apenas fez o maior gol das Copas, mas redefiniu o conceito de golaço. O ritmo crescente dos dribles, a velocidade da corrida e a epifania final são até hoje o padrão com o qual qualquer gol de placa é comparado.

Mas Maradona não fez aquela obra-prima sozinho: Victor Hugo Morales ajudou a deixar aquele gol ainda mais bonito.

Sua narração daqueles segundos se tornou histórica – ironicamente, por narrar quase nada do lance. Ele simplesmente para de relatar o que estava acontecendo para se deixar levar por uma corrente de sentimentos. Grita, chora, faz de improviso uma poesia que resume perfeitamente um momento histórico complexo – e que emociona até hoje.

A maior narração de todos os tempos. Olho no lance:

– Ahí la tiene Maradona, lo marcan dos, pisa la pelota Maradona. Arranca por la derecha el genio del fútbol mundial. Puede tocar para Burruchaga… Siempre Maradona. Genio, genio, genio! Ta, ta, ta, ta, ta … Gooooooool gooooooool! Quiero llorar! Dios santo, viva el fútbol, golaaaazo! Diegoooool! Maradona! Es para llorar, perdónenme, Maradona en recorrida memorable, en la jugada de todos los tiempos, barrilete cósmico, de qué planeta viniste para dejar en el camino a tanto inglés, para que el país sea un puño apretado gritando por Argentina? Argentina 2 – Inglaterra 0. Diegol, Diegol!, Diego Armando Maradona. Gracias, Dios. Por el fútbol, por Maradona, por estas lágrimas, por este Argentina 2 – Inglaterra 0. 

***

Victor depois diria que era um dos poucos jornalistas que acreditava naquela seleção desde o começo. A explosão na hora do gol seria em parte causada pelo “prazer que dá ter razão”. Mas não foi só isso: ele percebeu na hora que algo gigantesco estava acontecendo – por isso cravou ao microfone: “a jogada de todos os tempos”.

Sem contar, claro, a mais linda das metáforas, ao chamar Maradona de “pipa cósmica” (!). Pipa por ter movimentos imprevisíveis, cósmico para dar ideia do tamanho daquela realização.

A poesia e a pintura.

A poesia e a pintura.

Em entrevista ao jornal “As”, Victor Hugo Morales admitiu ter passado anos sem assistir ao lance. O motivo?

“Era como se tivessem me filmado correndo bêbado e pelado pela rua. (A narração daquele gol) É um striptease espiritual.”

Depois mudou de ideia e fez a pazes com a narração: “quem sou eu para ficar alheio a algo que tanto me deu?”

Gracias.

Victor Hugo Morales.

Victor Hugo Morales.

***

Veja também: Chutou, é fogo, é gol I.

A Copa do Mundo dos pênaltis não é nossa

Postado por: Henrique Rojas

Certa vez, Antonio Franco de Oliveira (o lendário Neném Prancha) afirmou que pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube. Imagine, então, quando se trata de uma disputa de penalidades máximas valendo vaga na próxima fase de uma Copa do Mundo.

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Acabooou, acaboooou… É tetraaaaaa!!!

 

O desempate em jogos eliminatórios através da marca da cal existe desde o mundial de 1978, na Argentina – ano onde, curiosamente, não houveram empates nas fases finais. A partir de 1982, no entanto, os pênaltis começaram a se fazer presentes para alegrar ou aterrorizar quem lá está.

Brasileiros que somos, logo lembramos de 1994, Rose Bowl, Baggio, um verdadeiro field goal, cambalhota no gramado e “é tetra”. Outros irão até se lembrar das semifinais de 1998, quando eliminamos a Holanda em grande presença de Taffarel. Se voltarmos a 86, no entanto…

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Deu ruim pro Galinho

O fato é que, se a Copa do Mundo fosse decidida somente em disputas de pênalti, dificilmente seríamos penta.

O time mais frio do mundo nessas horas é – adivinhem? – o alemão, que contabiliza quatro decisões e quatro vitórias (82/86/90/06). Os argentinos vêm logo atrás, com três triunfos, e depois temos França (já mencionei 1986?) e Brasil, com duas explosões de êxtase.

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Os alemão pira

Já os países que mais amarelam na hora de bater penalidades, contando com três derrocadas em mundiais, são Itália (já mencionei 1994?) e Inglaterra (que, sem presidente, teria que pedir ao Príncipe Charles para que cobrasse). França, México, Espanha e Romênia seguem a fila, com um duplo fracasso.

England players appear dejected after losing to Italy on penalties

Motherfucker penalties

O histórico da Copa mostra que em 204 penais já batidos em decisões deste tipo, 144 foram convertidos, 41 defendidos e 19 desperdiçados. Mas, sinceramente, quem liga para os 71% que entraram se são os outros 29% que ficam marcados?

Marcos, o Santo que pegou várias cobranças na carreira (mas não precisou pegar cobranças do tipo em 2002), disse certa vez que o momento do penal é todo do goleiro. Fazer é obrigação, pegar não.

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Sai que é sua, Taffarel \o/

Zico, Baggio, Gerrard e tantos outros craques sentiram isso na pele e deu no que deu. Sorte a nossa que antes da hora fatal temos 120 de bola rolando.

44 anos depois, uma tarde no Azteca

Postado por: Henrique Rojas

41 minutos do segundo tempo. Tostão rouba uma bola na esquerda e recua para Piazza. Piazza toca para Clodoaldo que, cercado, toca para Pelé. Pelé para Gérson, Gérson para Clodoaldo, que deixa quatro zagueiros pra trás e passa para Rivellino. De Riva para Jairzinho, deste novamente para Pelé e, em uma rolada de bola açucarada, Carlos Alberto manda um foguete no canto do goleiro Albertosi.

Deste gol todo mundo se lembra. Do resultado, então, ninguém vai conseguir se esquecer nunca: Brasil, primeiro tricampeão do mundo, 4, Itália, “só” bi, 1. Mas uma da slembranças mais incríveis diz respeito ao palco deste jogo, o Estádio Azteca.

Inaugurado em 1966 para abrigar jogos das Olimpíadas de 1968, o Azteca se consolidou mesmo em Copas do Mundo. Sediou as finais dos mundiais de 70 e 86 (quando a Colômbia teve que desistir de sediá-lo) e, desde então, o gigante com 105 mil lugares se tornou um ícone do esporte.

Eu, do alto dos meus 28 anos, não pude ver nenhum destes jogos nem in loco nem ao vivo pela TV. Mas, felizmente, 44 anos depois do gol que encantou o mundo, posso dizer que pisei no solo sagrado do Coloso de Santa Úrsula.

Eu, o Azteca e minha Corona

Eu, o Azteca e minha Corona

Foi no sábado passado, clássico local entre América e Pumas. O resultado final foi 3×1 para os visitantes universtarios, mas, sendo sincero, o placar importa pouco – ou quase nada – para quem foi lá pelo espetáculo.

A verdade é que o Estádio Azteca tem alma. E você a sente a quilômetros de distância, quando avista aquele gigante no horizonte, e se depara com os milhares de torcedores que cantam em direção a ele. Quando pisa lá dentro, então, é de arrepiar até os poucos fios de cabelo do Canhotinha de Ouro.

Festa dos 25 mil visitantes

Festa dos 25 mil visitantes

As rampas de acesso aos lugares chegam a três andares seguidos e suas cadeiras são bem mais apertadas do que manda o “Padrão Fifa”. As torcidas organizadas ficam separadas em cantos opostos, mas, no geral, todos assistem aos jogos misturados. A  lá Estados Unidos, a cerveja é liberada somente meia hora antes do jogo e existem brincadeiras tanto dentro de campo quanto nos telões – exatamente como na NBA.

Mas, como um todo, a atmosfera e o clima são latinos. E embora bastante reformado e modernizado em relação a sua estreia na década de 60, adentrar o Azteca é como se automaticamente aquele monte de cimento te contasse tantos anos de história em alto e bom som.

Mesmo que seja só por 90 minutos. Mesmo em um jogo pelo Campeonato Mexicano. Imagina na Copa!

O gigante 2h antes da partida

O gigante 2h antes da partida

E se a Copa fosse no Brasil?

Postado por: Marcos Abrucio

A final vai ser aqui. Bem, mais ou menos aqui.

A final vai ser aqui. Bem, mais ou menos aqui.

Esse é o grande problema das datas: uma hora elas chegam. Já está entre nós 2014, o ano que há algum tempo é sinônimo em nossas cabeças de “Copa no Brasil! Copa no Brasil!”.

Desde pequeno ficava imaginando: como seria uma Copa do Mundo por aqui? Itália e Alemanha jogando no mesmo campo de Bangu x América. Os camelôs do Pacaembu vendendo camisetas de Argentina e Camarões. Um bandeirão abrindo no meio da torcida da Inglaterra…  Se o Mundial de 78 foi o do jeito argentino de jogar e torcer, com mais papel higiênico do que grama em campo, uma Copa no Brasil seria uma forma do mundo inteiro ver o jogo como a gente o vê.

A Seleção Alemã adentra o gramado do Maracanã.

A Seleção Alemã adentra o gramado do Maracanã.

Na Copa das Confederações do ano passado, tivemos uma boa amostra de como a “nossa” Copa vai ser, pelo menos dos portões para dentro: tudo no “padrão FIFA”, com o que isso tem de bom e de ruim.

Estádios novos (alguns já velhos), com visual moderno e conforto para o torcedor inédito por estas bandas (também, com as cadeiras e os estádios mais caros do mundo). Tudo muito organizado, limpo, bem sinalizado… e muito pouco brasileiro.

Ops.

Ops.

Já reparou que quando a câmera mostra o interior de qualquer uma dessas novas “arenas” (é, nem estádio chama mais), não dá para saber qual é? Do lado de fora, a arquitetura ainda é única, mas dentro é tudo no tal padrão: as cadeiras são iguais, a distância da torcida para o campo é igual, as dimensões do gramado são iguais, as redes são iguais, até o ângulo de câmera é sempre igual.

Não precisava ser assim. Poderíamos ter uma Copa do Mundo no Brasil que fosse… no Brasil.

Claro que os estádios estavam caindo aos pedaços. Que não dava mais para ser tratado como gado para entrar e sair da arquibancada. Mas era possível fazer reformas estruturais sem perder a nossa cara. Bastava ter pensado melhor em algumas questões:

• Por que em todo estádio o véu da noiva tem que chacoalhar da mesma forma?
A nova rede do Maracanã é igual à do Mané Garrincha que é igual à do Soccer City que é igual à de Yokohama… Por que não podemos ver uma semifinal de Copa do Mundo no Mineirão com seu filó do tamanho de um latifúndio? Ou no Maracanã com aquela rede que já acaba logo depois da linha? Melhor ainda: imagina um jogo decisivo na Fonte Nova com aquelas traves que pareciam de futebol de botão e a rede que quase arrastava no chão:

• Por que não posso comer um McPernil?
Ok, o McDonald’s tem acordo com a FIFA. Legal, vamos vender Big Mac. Mas sem proibir feijão tropeiro no Mineirão, acarajé em Salvador e sanduíche de pernil na porta do estádio em São Paulo (pensando bem, acho que esse a Vigilância Sanitária proibiria de qualquer jeito).

Número 2.

Número 2.

• Por que estádios, desculpe, arenas novinhas em Cuiabá, Manaus, Natal e Brasília, onde nenhum time consegue lotar um estádio, quanto mais uma arena?
Tudo bem, essa é fácil: muita politicagem e algum excesso de otimismo no turismo são a resposta. Mas prossigamos.

Em vez de Manaus, por que não jogar em Belém, onde o Mangueirão está sempre cheio para ver Remo e Paysandu? Em vez de Brasília e Cuiabá, por que não o Serra Dourada, que por décadas sempre foi conhecido como o único dos nossos campos com uma grama decente?

Serra Dourada e seu gramado psicodélico, 1981.

Serra Dourada e seu gramado psicodélico, 1981.

• A Copa tinha que ser no Itaquerão?
Temos que admitir: o Morumbi é um trambolho gigantesco. Tem milhares de pontos cegos, os assentos são distantes do campo, treme assustadoramente, é longe pra burro (desculpe se você mora ali perto, mas você mora longe pra burro) e muito feio esteticamente duvidoso.

Mas sua história também é gigantesca. Acostumamos a tê-lo de pano de fundo de jogos mitológicos. E vá lá: não é possível que uma reforminha bem feita não resolva boa parte dos seus problemas. Reforma que faria bem não só a ele e ao São Paulo, mas aos torcedores de todos os times.

E também à Copa do Mundo: imagine o Fred fazendo um golaço ali e correndo feliz para a galera, como tantas vezes o Careca e o Raí já fizeram. Imagine o Neymar fazendo algo parecido com isso.

Feio? Pensando bem, poucas coisas são tão bonitas como o Morumbi de casa cheia, com um mar de bandeiras como este:

A torcida alemã vibra no Morumbi.

A torcida alemã vibra no Morumbi.

• Mas só o Morumbi presta?
São Paulo já tinha o projeto de dois estádios novos, modernos, reluzentes, pimpões: o do Corinthians e o Palmeiras. Se eles ficassem prontos a tempo da Copa, ótimo. Seriam boas alternativas. Ou poderíamos ainda dar um tapa no Pacaembu, onde 40 mil pessoas estariam maravilhosamente acomodadas. Como sempre estiveram, aliás (lembrando que até jogo de Copa já rolou por ali).

Morumbi reformado, estádios novos, Pacaembu garibado. Na verdade, são todas boas opções. A escolha, então, deveria ser muito simples: a que custasse menos dinheiro público. É, então…

• E o Maraca, hein?
É, parece que do jeito que estava não dava mais. A estrutura estava podre e corria sério risco de cair. Nem vamos lembrar que outras duas reformas já tinham gastado rios de dinheiro nos últimos 15 anos – e que, pelo jeito, deram em nada.

Mas beleza: poderiam ter reformado de novo e mantido não só a fachada, mas também o layout interno, com seus anéis imponentes. E não deixá-lo com cara de uma arena genérica.

Veja bem: o Maracanã está lindo. Mesmo. Mas vale lembrar a impressão de Arbeloa, lateral da Espanha que foi judiado pelo Neymar na final da Copa das Confederações:

 “Quando estivemos no Maracanã, não tive a sensação de jogar em um estádio com tanta tradição. Você chega e vê um estádio moderno, novo, cheio de cores, então não é capaz de te transmitir a história. Tem vestiários confortáveis, modernos e amplos. Não é como quando vamos a Anfield, La Bombonera, ao Monumental de Nuñez, onde você sente o tempo, te transmite a história. Eu gostaria de jogar lá antes da reforma. Não fui capaz de sentir nem pensar que aqui atuaram jogadores tão importantes na história do futebol. Tive a mesma sensação quando joguei, por exemplo, nos estádios novos da África do Sul no Mundial ou os da última Eurocopa. Não parecia um estádio mítico do futebol.”

Disse tudo, cara.

Claro que não há mais espaço no futebol moderno para a geral do Maracanã, mas… peraí, será que não, mesmo? Na Alemanha os torcedores do Borussia tem um espaço para assistir aos jogos como sempre assistiram: em pé, urrando como doidos.

Mané e os geraldinos.

Mané e os geraldinos.

Talvez não desse para manter o fosso e os geraldinos quase sem visão, mas será que não dava para preservar o espírito do estádio, o mais democrático do mundo?

O povão dava o recado no Maraca.

O povão dava o recado no Maraca.

Será que não poderíamos ter a final da Copa em um estádio moderno e confortável, mas que carregasse as marcas da sua história? De perto, o Camp Nou é imponente, colossal, bem cuidado, mas não esconde que tem mais de 50 anos. O Maraca Nou poderia ser assim também.

Outra coisa: encurtaram o gramado! O Maracanã tinha um dos maiores campos do mundo, com espaço bastante para não deixar nenhuma retranca funcionar – o que sempre ajudou o nosso jeito de jogar.

• Resumindo:
Poderíamos consertar as infiltrações, melhorar a visibilidade da platéia, instalar um telão novo mas mantendo as dimensões do tapete – e deixando o palco de tantas histórias mais reconhecível.

Com cara de quem já viu vitórias e derrotas, comédias e tragédias. De quem já viu Pelé fazer o primeiro dos gols de placa e o milésimo dos gols de Rei. De quem viu Mané sorrir e dizer adeus. Já viu goleadas históricas e peladas perfeitamente esquecíveis. Viu Romário dar uma caneta em Maradona, viu Maradona acertar o travessão do meio do campo, viu Gaúcho pegar pênalti, viu Rivelino, Dinamite, ouviu o Frank. Viu Zico jogar.

Não é pouca coisa.

Gênios trabalhando no Maracanã.

Gênios trabalhando no Maracanã.

E, por fim,

• Pô, por que raios tiraram o orelhão de trás do gol do Maracanã?

Alô?

Cadê você?

F-Copa

Postado por: Marcos Abrucio

Engana-se quem acha que na vida existem coisas importantes e coisas desimportantes. Não, senhor. Existem também as Coisas Realmente Importantes (CRI).

E uma dessas CRIs está prestes a dar as caras em 2012. Estou falando da Fórmula 1, óbvio.

O que não é tão óbvio assim é um jeito decente de falar de Formula 1 aqui, em um blog sobre futebol e, mais especificamente, sobre a Copa do Mundo. Não tem nada a ver.

Por outro lado, a próxima Copa ainda está longe (pelo menos é o que esperam os pedreiros dos estádios) e não dá para comentar muito sobre uma seleção que sua para ganhar no último minuto da Bósnia. Enquanto isso, a crise de abstinência para ver uma corridinha depois de meses de espera vai, finalmente, acabar nesta semana.

Sendo assim, vamos fazer um esforço. Com um pouquinho de boa vontade, dá para enxergar uma relação entre a categoria principal do automobilismo e o momento mais importante do futebol.

Podemos imaginar, por exemplo, que campeões de F-1 seriam os campeões mundiais de futebol. Hã? Hã? Que tal? Fraco? Bom, tarde demais.

***

Começando pelo Brasil, pentacampeão mundial. Que campeão de F-1 seria equivalente a ele? Fácil, o que tem mais títulos: Michael Schumacher, feliz proprietário de sete canecos.

Ééééééé... do Brasil! Do Brasil?

O piloto alemão é uma belíssima escolha para melhor de todos os tempos. Assim como a seleção brasileira, que no imaginário mundial se tornou sinônimo de futebol bonito, em especial pelo desempenho fantástico nas Copas de 58, 62 e 70.

Schumi também empilhou atuações de gala em sua carreira interminável. Entre suas 91 vitórias (!), muitas são inesquecíveis. Como a do Grande Prémio da Bélgica de 1995, quando largou em 16o. e passou todo mundo embaixo de chuva, mesmo com pneus para pista seca em boa parte do tempo. Um baile.

Há quem reclame que Schumacher só ganhou tantos títulos porque teve a sorte de, no começo dos anos 2000, sentar no melhor carro (Ferrari), com o apoio do melhor projetista da época (Rory Byrne) e de um dos melhores estrategista da história da F-1 (Ross Brawn). Sacanagem, né?

Mas o Brasil também não teve a sorte de poder escalar no mesmo time Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos (em 1958) ou Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e Jairzinho (em 1970)? Então.

Como se esgoelaria o Galvão: Michael Schumacher é o Brasil na Formula 1!

***

E a Itália, quem seria? Alain Prost. Ambos têm quatro títulos mundiais e estão, sem dúvida, no topo dos seus respectivos esportes. Tá certo que algumas vezes eles venceram sem jogar muito bonito, mas venceram.

A retranca italiana mandou para casa seleções que tinham o futebol muito mais vistoso, como a de Zico, Sócrates e Falcão, em 1982. Prost sempre foi cerebral e preciso como um bom zagueiro italiano. E também derrotou brasileiros que jogavam mais bonito: Nelson Piquet em 1986 e Ayrton Senna, em 1989.

Só que, assim como os italianos, o narigudo também sofreu com os brasileiros. Se a Azzurra perdeu as finais de 1970 e 1994 para nós, Prost levou um chapéu de Piquet em 1983 e apanhou de Senna metaforicamente em 1988 e literalmente em 1990:

O piloto francês e a seleção italiana têm muitas semelhanças. O engraçado é que quando Prost foi pilotar na Itália, ele não se deu muito bem, não. Acabou demitido da Ferrari no meio da temporada de 1991, após ter comparado o carro vermelho com um caminhão.

***

Agora a Alemanha. Hmmm. Difícil, hein?

Vamos para a próxima. Depois eu volto aos germânicos.

***

Que campeão de Fómula 1 seria a seleção argentina? Sob o risco de levar pedradas dos dois lados da fronteira, Senna.

Explico. Tanto a seleção portenha como o piloto brasileiro têm fãs devotos, ferrenhos e raivosos, que acham seus ídolos os melhores de todos os tempos em seus respectivos esportes (apesar da matemática jogar contra: nem a Argentina nem Senna são os que mais vezes foram campeões do mundo, mas vai falar isso para um torcedor argentino ou para um hincha sennista).

Mais: os argentinos juram que se a Segunda Guerra Mundial não tivesse impedido a realização de duas Copas, eles seriam muito mais do que bicampeões. Faz sentido. Na década de 40, o time deles era quase imbatível.

Já os sennistas sempre vão argumentar que o piloto brasileiro poderia ter ganho mais do que três títulos não fosse a Tamburello. Faz sentido. O talento de Senna era incontestável, e a gana por mais e mais vitórias, também.

E se o ponto alto da seleção argentina nas Copas foi aquela pintura do Maradona na Copa de 86, Senna também fez um golaço em que partiu lá de trás e driblou meia dúzia para chegar na rede, ops, na frente. Foi na primeira volta do GP da Europa, em Donington, em 1993:

***

Imagine ser um piloto brasileiro dentro de uma escuderia inglesa ­— e que seu companheiro de time também é inglês. Ele é, naturalmente, o preferido de todos dentro do box. Imagine enfrentar esse cara (e toda a torcida contra do resto da equipe) e ainda se tornar o campeão do mundo.

Piquet fez isso em 87, na Williams, quando bateu um Nigel Mansell em ótima fase. E a seleção do Uruguai fez algo parecido em 1950. O Brasil sediava a Copa, fazia uma campanha cheia de goleadas e na final botou 200 mil torcedores no Maracanã. Perdeu para os uruguaios.

Tem brasileiro que esquece o pilotaço que Piquet foi. Três vezes campeão do mundo na década mais disputada da história da Formula 1. Talvez o melhor acertador de carros da categoria. Inventivo, estrategista, marrento, nunca ligou muito para patriotadas ­­— talvez por isso não seja, até hoje, tão popular quanto mereceria.

Por conta de terem ganho “só” duas Copas, os uruguaios também não são muito lembrados pela sua grandeza. Injusto. O princípio da história das Copas foi todo celeste: vencedores em 1930, boicotaram as edições seguintes (marrentos…) e voltaram em 1950 para serem campeões de novo. E só foram perder uma partida de Copa do Mundo nas semifinais de 1954, contra a Hungria.

Depois de décadas com times medíocres, o Uruguai voltou ao seu lugar em 2010: foi semifinalista na África do Sul. E campeão da Copa América no ano passado. Ei, o Piquet também podia voltar, né?

***

E a Alemanha? Aiaiai. Passo.

***

A seleção inglesa venceu a Copa do Mundo apenas uma vez, em 1966. Os pilotos ingleses costumam repetir esse roteiro. Nenhum outro pais tem tantos corredores “monocampeões”: Mike HawthornJohn SurteesJames HuntNigel MansellDamon HillLewis Hamilton e Jenson Button.

Qual desses pilotos seria equivalente à Inglaterra? Os torcedores ingleses, apaixonados por ambos os esportes, adorariam que fosse Lewis Hamilton (talentosíssimo, com muitas glórias pela frente). Mas acho que eles estão mais para Damon Hill (ganhou uma vez só e olhe lá.).

***

A França teve grandes momentos nas Copas (como em 1958, terceira colocada com Just Fontaine, ou nos anos 80, com a geração de Platini e Giresse). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como cair na primeira fase em 2002 e 2010 ou levar o uniforme errado para o jogo em 1978.) E seguia sem ganhar.

Até que em 1998, liderada por Zidane, finalmente foi campeã. No fim, uma lavada em cima dos brasileiros: 3 a 0.

Nigel Mansell teve grandes momentos na Fórmula 1 (foi três vezes vice-campeão mundial nos anos 80). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como bater a cabeça em uma ponte após uma vitória enquanto dava tchauzinho para a torcida ou deixar o carro morrer na última volta enquanto… dava tchauzinho para a torcida). E seguia sem ganhar.

Até que em 1992, no supercarro da Williams, finalmente foi campeão. No fim, uma lavada em cima de um brasileiro (Ayrton Senna): 108 pontos a 50.

França ————————> Mansell.

Argentina, Itália, França e Uruguai?

***

A Espanha é atual campeã do mundo de futebol. Tem jogado bonito. Tem vencido com autoridade. Tudo igual ao bicampeão Sebastian Vettel. Mas se a Fúria espanhola for mesmo o moleque da equipe do touro vermelho, aí ferrou. Isso quer dizer que a Espanha vai ganhar as 5 próximas Copas…

***

Droga, faltou a Alemanha. Quem poderia ser?

Jackie Stewart, tão tricampeão quanto? Émerson Fittipaldi, um especialista em se aproveitar do erros e dos infortúnios dos adversários, como sempre foi a pragmática seleção alemã?

Ou Jack Brabham? Ele também foi três vezes campeão, uma delas na raça: em 1959, a 500 metros da chegada da última corrida, seu carro ficou sem gasolina. O piloto australiano pulou do carro e se botou a empurrá-lo, chegando em quarto.

(Tá certo que nem precisava tanto suor: seu adversário pelo campeonato, Tony Brooks, precisava ganhar a corrida para ser campeão. E foi só o terceiro. Mas beleza, a história é boa.)

Brabham: valente feito um volante alemão (hã?).

Já sei: o também tricampeão Niki Lauda! Calculista a ponto de ser chamado de “O Computador”, seria ele o equivalente em quatro rodas do “futebol-força” alemão?

Ah, sei lá. Talvez a seleção alemã seja mais afeita a carrinhos do que a carrões.

***

Poderia continuar a brincadeira com os países que não foram campeões do mundo. A Holanda seria Gilles Villeneuve. Tanto uma como o outro encantaram fãs do esporte com exibições fantásticas. Até hoje os torcedores babam pela revolucionária seleção laranja de 1974 e pelas manobras malucas do canadense ao volante da Ferrari. Mas nem o pai do Jacques nem o time de Cruyff nunca tiveram o prazer de soltar o grito de campeão.

Quem mais? O Japão? Moleza: Satoru Nakajima. El Salvador, que levou a maior goleada das Copas? Yuji Ide. E Camarões? E a Suécia? A Tchecoslováquia?

Chega. Melhor parar por aqui. Não porque eu tenha noção do ridículo. Mas porque, ao contrario da Copa, a temporada de F-1 já vai começar.

Eba.