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44 anos depois, uma tarde no Azteca

Postado por: Henrique Rojas

41 minutos do segundo tempo. Tostão rouba uma bola na esquerda e recua para Piazza. Piazza toca para Clodoaldo que, cercado, toca para Pelé. Pelé para Gérson, Gérson para Clodoaldo, que deixa quatro zagueiros pra trás e passa para Rivellino. De Riva para Jairzinho, deste novamente para Pelé e, em uma rolada de bola açucarada, Carlos Alberto manda um foguete no canto do goleiro Albertosi.

Deste gol todo mundo se lembra. Do resultado, então, ninguém vai conseguir se esquecer nunca: Brasil, primeiro tricampeão do mundo, 4, Itália, “só” bi, 1. Mas uma da slembranças mais incríveis diz respeito ao palco deste jogo, o Estádio Azteca.

Inaugurado em 1966 para abrigar jogos das Olimpíadas de 1968, o Azteca se consolidou mesmo em Copas do Mundo. Sediou as finais dos mundiais de 70 e 86 (quando a Colômbia teve que desistir de sediá-lo) e, desde então, o gigante com 105 mil lugares se tornou um ícone do esporte.

Eu, do alto dos meus 28 anos, não pude ver nenhum destes jogos nem in loco nem ao vivo pela TV. Mas, felizmente, 44 anos depois do gol que encantou o mundo, posso dizer que pisei no solo sagrado do Coloso de Santa Úrsula.

Eu, o Azteca e minha Corona

Eu, o Azteca e minha Corona

Foi no sábado passado, clássico local entre América e Pumas. O resultado final foi 3×1 para os visitantes universtarios, mas, sendo sincero, o placar importa pouco – ou quase nada – para quem foi lá pelo espetáculo.

A verdade é que o Estádio Azteca tem alma. E você a sente a quilômetros de distância, quando avista aquele gigante no horizonte, e se depara com os milhares de torcedores que cantam em direção a ele. Quando pisa lá dentro, então, é de arrepiar até os poucos fios de cabelo do Canhotinha de Ouro.

Festa dos 25 mil visitantes

Festa dos 25 mil visitantes

As rampas de acesso aos lugares chegam a três andares seguidos e suas cadeiras são bem mais apertadas do que manda o “Padrão Fifa”. As torcidas organizadas ficam separadas em cantos opostos, mas, no geral, todos assistem aos jogos misturados. A  lá Estados Unidos, a cerveja é liberada somente meia hora antes do jogo e existem brincadeiras tanto dentro de campo quanto nos telões – exatamente como na NBA.

Mas, como um todo, a atmosfera e o clima são latinos. E embora bastante reformado e modernizado em relação a sua estreia na década de 60, adentrar o Azteca é como se automaticamente aquele monte de cimento te contasse tantos anos de história em alto e bom som.

Mesmo que seja só por 90 minutos. Mesmo em um jogo pelo Campeonato Mexicano. Imagina na Copa!

O gigante 2h antes da partida

O gigante 2h antes da partida

¡Las Diez Más!

Conversando com meu ponderado amigo Antero, pensamos em uma humilde campanha em prol do bom futebol:

Toda Copa do Mundo tinha que ser no México.

Para sempre. O GP de Mônaco não é sempre nas mesmas ruas de Monte Carlo? Alguma vez o Torneio de Wimbledon foi pra Hong Kong? Então. Toda final de Copa tinha que ser no Estádio Azteca apinhado de gente, num domingo ensolarado, ao som de mariachis. Ok, essa última parte não precisa.

A Copa eternizada na terra de Pancho Villa e Hugo Sanchez seria uma garantia permanente de golaços, jogadas inesquecíveis, jogos palpitantes e craques de primeiro escalão desfilando pra lá e pra cá. Porque foi isso que se viu, em generosas doses, nas duas edições do Mundial jogadas por lá.

Se um dia escolhessem qual foi a melhor das Copas, a de 70 e a de 86 seriam ótimos votos.

Tanto que muitas das minhas referências de obras-primas do futebol têm como moldura os calorentos campos mexicanos. Resultado, mais uma vez, das intermináveis repetições dos teipes da Copa de 70, a Copa dos superlativos. E também das primeiras partidas de Copa que vi ao vivo, em 86.

Para sensibilizar os velhinhos da FIFA a apoiarem essa nobre campanha, deixo aqui a parada com os dez maiores sucessos dos gramados mexicanos:

10) Espanha 5×1 Dinamarca – 1986

Uniforme exótico, futebol envolvente, goleadas. A Dinamarca de 86 parecia até a Holanda 74. Ganhou da Alemanha, da Escócia e meteu 6 no Uruguai. Mas nas oitavas encontrou a Espanha de Emilio Butragueño. Aí a Dinamáquina emperrou.

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9) Bélgica 4 x 3 URSS – 1986

No gol, o fantástico Dasaev. Na frente, Belanov, autor de três gols na partida. Mas naquela tarde ter esses dois craques não foi suficiente para a finada União Soviética parar uma das surpresas do Mundial de 86, a Bélgica. No tempo normal, 2 a 2, com os belgas sempre atrás. Na prorrogação, o time de Scifo e Ceulemans abriu dois gols de vantagem. No finzinho, os soviéticos descontaram.

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8 ) Alemanha 3 x 2 Inglaterra – 1970

Quatro anos depois, a decisão de 1966 era repetida, dessa vez nas quartas de final. E parecia que o script seria igual: mesmo sem Gordon Banks, com diarréia, ops, problemas estomacais (é, Copa no México tem dessas), os ingleses abrem 2 a 0. Só que Franz Beckenbauer e Uwe Seeler empatam no segundo tempo e, na prorrogação, o artilheiro daquela Copa, Gerd Müller, vira o jogo e desentala aquele jogo de Wembley da garganta dos alemães.

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7) Brasil 1 (3) x 1 (4) França – 1986

Ai, como dói. Nem tanto por termos perdido aquela Copa — a seleção estava desfalcada, envelhecida e não chegou a empolgar como quatro anos antes. Mas sim por termos visto a maior injustiça que o futebol perpetrou contra um de seus gênios: o pênalti perdido por Zico. Mas tudo bem: pelo menos o jogo contra a França foi uma partidaça. Num raro caso de choque entre dois times ofensivíssimos, todos os jogadores buscaram a vitória até o final da prorrogação. Não dava para piscar. Dá play aí em cima e vê se eu tô mentido.

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6) Brasil 3 x Uruguai 1 – 1970

Uma partida de xadrez com lances de vale-tudo que, no fim das contas, foi decidida pela bola no pé. Os uruguaios faziam questão de lembrar: vinte anos antes eles tiraram o doce dos brasileiros em pleno Maracanã. E continuaram nos assustando com faltas duríssimas e inaugurando o placar com um gol de Cubilla. Mas parece que se lembrando de uma promessa feita ao seu pai vinte anos antes, Pelé resolveu dar um joelhaço naquele trauma. Liderou a virada brasileira, com gols de Clodoaldo (num golpe tático maravilhoso), Jairzinho e Rivelino, mandou uma cotovelada medonha num uruguaio e ainda judiou do goleiraço Mazurkiewicz com alguns dos mais belos não-gols da história do futebol.

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5) Argentina 3 x 2 Alemanha – 1986

O melhor time do Mundial, com o melhor jogador do mundo. Não tinha jeito: a Argentina era a favorita para levar o título. E fez jus às expectativas ao abrir 2 a 0 com até certa tranqüilidade. Mas, como vimos, a Alemanha é casca. E com Rummenigge e Völler, chegou ao empate, faltando 10 minutos para o fim. Aí o melhor do mundo honrou a alcunha: no meio de três alemães, lançou Burruchaga, que tocou no canto de Schumacher. O ponto final de uma das mais emocionantes finais de Copa.

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4) Brasil 1 x 0 Inglaterra – 1970

É o jogo que a Inglaterra não esquece. O jogo de uma das melhores exibições da seleção inglesa. Da maior defesa de todos os tempos, de Gordon Banks. Do melhor carrinho da história, de Bobby Moore. De uma esquecida grande atuação de Félix. Dos dribles de Tostão, da assistência de Pelé para Jairzinho. Para muitos (principalmente os ingleses), o jogo mais foda de todos os tempos.

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3) Argentina 2 x 1 Inglaterra – 1986

A Argentina vinha de uma ditadura sanguinolenta e de uma guerra para muitos sem sentido justamente contra a Inglaterra. Mas tinha Maradona, que naquele jogo soterrou todas as mágoas e todos os traumas e fez o sol brilhar de novo no lado de lá da fronteira. Todos sabem: é o jogo do gol de mão e do gol do século, o maior gol de todas as Copas. Mas foi também um jogão disputadíssimo. No final, Gary Lineker, artilheiro da Copa, descontou para os ingleses, que aparecem pela terceira vez nesta lista — e perdem a terceira.

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2) Brasil 4 x 1 Itália – 1970

O ápice da melhor campanha do melhor time da melhor Copa de todas. Quer mais? O TCC da seleção de Pelé no México até hoje emociona por ser a rara ocasião em que o futebol bonito (no caso, lindo) ganha (no caso, arregaça). O belo time da Itália, símbolo de uma escola completamente oposta de futebol, ainda deu certo trabalho no primeiro tempo. Mas o quinteto brasileiro de camisas 10 (Pelé, Rivelino, Gérson, Tostão e Jarzinho, todos 10 em seus clubes) fez dos 45 minutos finais a maior demonstração de futebol coletivo já vista num jogo de Copa do Mundo.

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1) Alemanha 4 x 3 Itália – 1970

Essa foi barbada. O “Jogo do Século” em quase toda lista decente. Uma partida tão incrível, mas tão incrível, que já mereceu um post só para ela. Leia e entenda porque nunca houve um jogo como este. No México e em qualquer lugar.

Postado por: Marcos Abrucio

80 pesos

Era o preço do ingresso da arquibancada na semifinal da Copa de 1970, no México (se quiser, hoje você compra o mesmo bilhete no eBay por 35 libras, ou 105 reais, ou ainda 738 pesos mexicanos. Mas corre).

Na minha mão é mais barato.

E se quando um jogo é bom dizem que ele “valeu o ingresso”, nunca um dinheiro foi tão bem gasto num campo de futebol quanto esses pesitos. Quem esteve no estádio Azteca na tarde daquele 17 de junho assistiu ao maior jogo da história das Copas:

A Itália de Albertosi, Riva e Rivera contra a Alemanha de Maier, Beckenbauer e Müller.

Não sou só eu que está falando. Em rankings de jornais, revistas e sites especializados, essa partida está sempre no topo. Livros, filmes, peças e especiais de TV já homenagearam o chamado Jogo do Século.

Jogo que começou três dias antes, quando a Alemanha fez das tripas coração para ganhar de virada da Inglaterra nas quartas de final. Os ingleses abriram 2 a 0, mas Franz Beckenbauer e Uwe Seeler empataram e levaram o jogo para a prorrogação. Aos 3 minutos da segunda etapa do tempo extra, Gerd Müller definiu: 3 a 2. Enquanto isso, a Itália passava fácil pelo México: 4 a 1.

A Itália entrou na semifinal mais descansada e abriu a contagem logo aos 8 minutos, com um tirambaço de Roberto Bonisegna. Mais uma vez, os tedescos teriam que inverter o placar. E foram para cima.

Com Müller se multiplicando em campo, os alemães espremiam sem dó os azuis. Mas a Itália tranquilamente fazia o que mais gosta: defendia e contra-atacava.

Valia tudo. Né, Gil?

Aos 22 minutos do segundo tempo, começa um drama que só poderia mesmo se passar no México. Beckenbauer invade a área e é derrubado. O juiz peruano marca a infração fora da área, para a cólera dos alemães (Já viu um alemão bravo? Pois é, coitado do peruano).

O pior de tudo é que o líbero continuava no chão. Na queda, ele teve seu ombro deslocado (ou quebrado, luxado, escangalhado, dependendo da fonte). Não dava para continuar.

Só que o técnico alemão já havia feito todas as substituições. O Kaiser continuou. E começou a escrever sua biografia de herói ao não só permanecer em campo mas como ao partir para o ataque toda vez que pegava na bola!

Substituição: sai Beckenbauer, entra o Kaiser.

Aos 44 minutos do segundo tempo, acaba o jogo. E começa o jogaço: bola cruzada na área, Karl-Heinz Schnelinger (que jogava no Milan) se estica e, a la Viola, consegue o empate. 1 a 1. Em seguida, as cortinas do tempo normal se fecham.

E reabrem para a prorrogação mais maluca das Copas, com 5 gols e nenhuma certeza de quem iria ganhar até o apito final.

Retroceder nunca, render-se jamais.

Beckenbauer volta ao jogo com uma tipóia. Já no comecinho do primeiro tempo, Müller vira o jogo: 2 a 1 numa pixotada que você não imaginaria que um zagueiro italiano seria capaz de cometer. 100 mil pessoas não acreditavam no que viam. Os 11 jogadores italianos também não. E aí, fazer o quê?, resolveram ir para a frente.

Aos 9 minutos, Gianni Rivera empata depois da defesa alemã rebater mal. E, um minuto antes do juiz mandar os times trocarem de lado, Luigi Riva domina, dá um corte seco no zagueiro e manda no cantinho. Golaço. A Itália (re)virava o jogo: 3 a 2.

Segundo tempo da prorrogação. Aos 5 minutos, Müller, de cabeça, empata de novo: 3 a 3. Todos no time de branco erguem as mãos para o céu (menos Beckenbauer, claro). A alegria dura 60 segundos. No 111o. minuto de jogo, Rivera, sozinho na área, marca o último gol do jogo: 4 a 3 Itália.

Quem riu por último.

Depois de duas horas escaldantes não só pelo sol mexicano, os 22 jogadores se arrastam até o juiz decretar o fim do espetáculo. Os 80 pesos estavam pagos.

Sete gols de placa.

A Copa de 70 foi mesmo a Copa dos superlativos. O México viu o mais brilhante dos times, os mais incríveis gols perdidos, a maior defesa já feita e até o desarme mais perfeito. E também foi o palco da mais épica das batalhas.

Uma batalha tão sobrenatural que fez até o mais descrente dos tifosi acreditar que, se foi possível derrubar aquele incansável exército alemão, então também daria para ganhar do Brasil.

Aí também não, dom.

Postado por: Marcos Abrucio.