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F-Copa

Postado por: Marcos Abrucio

Engana-se quem acha que na vida existem coisas importantes e coisas desimportantes. Não, senhor. Existem também as Coisas Realmente Importantes (CRI).

E uma dessas CRIs está prestes a dar as caras em 2012. Estou falando da Fórmula 1, óbvio.

O que não é tão óbvio assim é um jeito decente de falar de Formula 1 aqui, em um blog sobre futebol e, mais especificamente, sobre a Copa do Mundo. Não tem nada a ver.

Por outro lado, a próxima Copa ainda está longe (pelo menos é o que esperam os pedreiros dos estádios) e não dá para comentar muito sobre uma seleção que sua para ganhar no último minuto da Bósnia. Enquanto isso, a crise de abstinência para ver uma corridinha depois de meses de espera vai, finalmente, acabar nesta semana.

Sendo assim, vamos fazer um esforço. Com um pouquinho de boa vontade, dá para enxergar uma relação entre a categoria principal do automobilismo e o momento mais importante do futebol.

Podemos imaginar, por exemplo, que campeões de F-1 seriam os campeões mundiais de futebol. Hã? Hã? Que tal? Fraco? Bom, tarde demais.

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Começando pelo Brasil, pentacampeão mundial. Que campeão de F-1 seria equivalente a ele? Fácil, o que tem mais títulos: Michael Schumacher, feliz proprietário de sete canecos.

Ééééééé... do Brasil! Do Brasil?

O piloto alemão é uma belíssima escolha para melhor de todos os tempos. Assim como a seleção brasileira, que no imaginário mundial se tornou sinônimo de futebol bonito, em especial pelo desempenho fantástico nas Copas de 58, 62 e 70.

Schumi também empilhou atuações de gala em sua carreira interminável. Entre suas 91 vitórias (!), muitas são inesquecíveis. Como a do Grande Prémio da Bélgica de 1995, quando largou em 16o. e passou todo mundo embaixo de chuva, mesmo com pneus para pista seca em boa parte do tempo. Um baile.

Há quem reclame que Schumacher só ganhou tantos títulos porque teve a sorte de, no começo dos anos 2000, sentar no melhor carro (Ferrari), com o apoio do melhor projetista da época (Rory Byrne) e de um dos melhores estrategista da história da F-1 (Ross Brawn). Sacanagem, né?

Mas o Brasil também não teve a sorte de poder escalar no mesmo time Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos (em 1958) ou Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e Jairzinho (em 1970)? Então.

Como se esgoelaria o Galvão: Michael Schumacher é o Brasil na Formula 1!

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E a Itália, quem seria? Alain Prost. Ambos têm quatro títulos mundiais e estão, sem dúvida, no topo dos seus respectivos esportes. Tá certo que algumas vezes eles venceram sem jogar muito bonito, mas venceram.

A retranca italiana mandou para casa seleções que tinham o futebol muito mais vistoso, como a de Zico, Sócrates e Falcão, em 1982. Prost sempre foi cerebral e preciso como um bom zagueiro italiano. E também derrotou brasileiros que jogavam mais bonito: Nelson Piquet em 1986 e Ayrton Senna, em 1989.

Só que, assim como os italianos, o narigudo também sofreu com os brasileiros. Se a Azzurra perdeu as finais de 1970 e 1994 para nós, Prost levou um chapéu de Piquet em 1983 e apanhou de Senna metaforicamente em 1988 e literalmente em 1990:

O piloto francês e a seleção italiana têm muitas semelhanças. O engraçado é que quando Prost foi pilotar na Itália, ele não se deu muito bem, não. Acabou demitido da Ferrari no meio da temporada de 1991, após ter comparado o carro vermelho com um caminhão.

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Agora a Alemanha. Hmmm. Difícil, hein?

Vamos para a próxima. Depois eu volto aos germânicos.

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Que campeão de Fómula 1 seria a seleção argentina? Sob o risco de levar pedradas dos dois lados da fronteira, Senna.

Explico. Tanto a seleção portenha como o piloto brasileiro têm fãs devotos, ferrenhos e raivosos, que acham seus ídolos os melhores de todos os tempos em seus respectivos esportes (apesar da matemática jogar contra: nem a Argentina nem Senna são os que mais vezes foram campeões do mundo, mas vai falar isso para um torcedor argentino ou para um hincha sennista).

Mais: os argentinos juram que se a Segunda Guerra Mundial não tivesse impedido a realização de duas Copas, eles seriam muito mais do que bicampeões. Faz sentido. Na década de 40, o time deles era quase imbatível.

Já os sennistas sempre vão argumentar que o piloto brasileiro poderia ter ganho mais do que três títulos não fosse a Tamburello. Faz sentido. O talento de Senna era incontestável, e a gana por mais e mais vitórias, também.

E se o ponto alto da seleção argentina nas Copas foi aquela pintura do Maradona na Copa de 86, Senna também fez um golaço em que partiu lá de trás e driblou meia dúzia para chegar na rede, ops, na frente. Foi na primeira volta do GP da Europa, em Donington, em 1993:

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Imagine ser um piloto brasileiro dentro de uma escuderia inglesa ­— e que seu companheiro de time também é inglês. Ele é, naturalmente, o preferido de todos dentro do box. Imagine enfrentar esse cara (e toda a torcida contra do resto da equipe) e ainda se tornar o campeão do mundo.

Piquet fez isso em 87, na Williams, quando bateu um Nigel Mansell em ótima fase. E a seleção do Uruguai fez algo parecido em 1950. O Brasil sediava a Copa, fazia uma campanha cheia de goleadas e na final botou 200 mil torcedores no Maracanã. Perdeu para os uruguaios.

Tem brasileiro que esquece o pilotaço que Piquet foi. Três vezes campeão do mundo na década mais disputada da história da Formula 1. Talvez o melhor acertador de carros da categoria. Inventivo, estrategista, marrento, nunca ligou muito para patriotadas ­­— talvez por isso não seja, até hoje, tão popular quanto mereceria.

Por conta de terem ganho “só” duas Copas, os uruguaios também não são muito lembrados pela sua grandeza. Injusto. O princípio da história das Copas foi todo celeste: vencedores em 1930, boicotaram as edições seguintes (marrentos…) e voltaram em 1950 para serem campeões de novo. E só foram perder uma partida de Copa do Mundo nas semifinais de 1954, contra a Hungria.

Depois de décadas com times medíocres, o Uruguai voltou ao seu lugar em 2010: foi semifinalista na África do Sul. E campeão da Copa América no ano passado. Ei, o Piquet também podia voltar, né?

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E a Alemanha? Aiaiai. Passo.

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A seleção inglesa venceu a Copa do Mundo apenas uma vez, em 1966. Os pilotos ingleses costumam repetir esse roteiro. Nenhum outro pais tem tantos corredores “monocampeões”: Mike HawthornJohn SurteesJames HuntNigel MansellDamon HillLewis Hamilton e Jenson Button.

Qual desses pilotos seria equivalente à Inglaterra? Os torcedores ingleses, apaixonados por ambos os esportes, adorariam que fosse Lewis Hamilton (talentosíssimo, com muitas glórias pela frente). Mas acho que eles estão mais para Damon Hill (ganhou uma vez só e olhe lá.).

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A França teve grandes momentos nas Copas (como em 1958, terceira colocada com Just Fontaine, ou nos anos 80, com a geração de Platini e Giresse). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como cair na primeira fase em 2002 e 2010 ou levar o uniforme errado para o jogo em 1978.) E seguia sem ganhar.

Até que em 1998, liderada por Zidane, finalmente foi campeã. No fim, uma lavada em cima dos brasileiros: 3 a 0.

Nigel Mansell teve grandes momentos na Fórmula 1 (foi três vezes vice-campeão mundial nos anos 80). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como bater a cabeça em uma ponte após uma vitória enquanto dava tchauzinho para a torcida ou deixar o carro morrer na última volta enquanto… dava tchauzinho para a torcida). E seguia sem ganhar.

Até que em 1992, no supercarro da Williams, finalmente foi campeão. No fim, uma lavada em cima de um brasileiro (Ayrton Senna): 108 pontos a 50.

França ————————> Mansell.

Argentina, Itália, França e Uruguai?

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A Espanha é atual campeã do mundo de futebol. Tem jogado bonito. Tem vencido com autoridade. Tudo igual ao bicampeão Sebastian Vettel. Mas se a Fúria espanhola for mesmo o moleque da equipe do touro vermelho, aí ferrou. Isso quer dizer que a Espanha vai ganhar as 5 próximas Copas…

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Droga, faltou a Alemanha. Quem poderia ser?

Jackie Stewart, tão tricampeão quanto? Émerson Fittipaldi, um especialista em se aproveitar do erros e dos infortúnios dos adversários, como sempre foi a pragmática seleção alemã?

Ou Jack Brabham? Ele também foi três vezes campeão, uma delas na raça: em 1959, a 500 metros da chegada da última corrida, seu carro ficou sem gasolina. O piloto australiano pulou do carro e se botou a empurrá-lo, chegando em quarto.

(Tá certo que nem precisava tanto suor: seu adversário pelo campeonato, Tony Brooks, precisava ganhar a corrida para ser campeão. E foi só o terceiro. Mas beleza, a história é boa.)

Brabham: valente feito um volante alemão (hã?).

Já sei: o também tricampeão Niki Lauda! Calculista a ponto de ser chamado de “O Computador”, seria ele o equivalente em quatro rodas do “futebol-força” alemão?

Ah, sei lá. Talvez a seleção alemã seja mais afeita a carrinhos do que a carrões.

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Poderia continuar a brincadeira com os países que não foram campeões do mundo. A Holanda seria Gilles Villeneuve. Tanto uma como o outro encantaram fãs do esporte com exibições fantásticas. Até hoje os torcedores babam pela revolucionária seleção laranja de 1974 e pelas manobras malucas do canadense ao volante da Ferrari. Mas nem o pai do Jacques nem o time de Cruyff nunca tiveram o prazer de soltar o grito de campeão.

Quem mais? O Japão? Moleza: Satoru Nakajima. El Salvador, que levou a maior goleada das Copas? Yuji Ide. E Camarões? E a Suécia? A Tchecoslováquia?

Chega. Melhor parar por aqui. Não porque eu tenha noção do ridículo. Mas porque, ao contrario da Copa, a temporada de F-1 já vai começar.

Eba.

¡Las Diez Más!

Conversando com meu ponderado amigo Antero, pensamos em uma humilde campanha em prol do bom futebol:

Toda Copa do Mundo tinha que ser no México.

Para sempre. O GP de Mônaco não é sempre nas mesmas ruas de Monte Carlo? Alguma vez o Torneio de Wimbledon foi pra Hong Kong? Então. Toda final de Copa tinha que ser no Estádio Azteca apinhado de gente, num domingo ensolarado, ao som de mariachis. Ok, essa última parte não precisa.

A Copa eternizada na terra de Pancho Villa e Hugo Sanchez seria uma garantia permanente de golaços, jogadas inesquecíveis, jogos palpitantes e craques de primeiro escalão desfilando pra lá e pra cá. Porque foi isso que se viu, em generosas doses, nas duas edições do Mundial jogadas por lá.

Se um dia escolhessem qual foi a melhor das Copas, a de 70 e a de 86 seriam ótimos votos.

Tanto que muitas das minhas referências de obras-primas do futebol têm como moldura os calorentos campos mexicanos. Resultado, mais uma vez, das intermináveis repetições dos teipes da Copa de 70, a Copa dos superlativos. E também das primeiras partidas de Copa que vi ao vivo, em 86.

Para sensibilizar os velhinhos da FIFA a apoiarem essa nobre campanha, deixo aqui a parada com os dez maiores sucessos dos gramados mexicanos:

10) Espanha 5×1 Dinamarca – 1986

Uniforme exótico, futebol envolvente, goleadas. A Dinamarca de 86 parecia até a Holanda 74. Ganhou da Alemanha, da Escócia e meteu 6 no Uruguai. Mas nas oitavas encontrou a Espanha de Emilio Butragueño. Aí a Dinamáquina emperrou.

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9) Bélgica 4 x 3 URSS – 1986

No gol, o fantástico Dasaev. Na frente, Belanov, autor de três gols na partida. Mas naquela tarde ter esses dois craques não foi suficiente para a finada União Soviética parar uma das surpresas do Mundial de 86, a Bélgica. No tempo normal, 2 a 2, com os belgas sempre atrás. Na prorrogação, o time de Scifo e Ceulemans abriu dois gols de vantagem. No finzinho, os soviéticos descontaram.

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8 ) Alemanha 3 x 2 Inglaterra – 1970

Quatro anos depois, a decisão de 1966 era repetida, dessa vez nas quartas de final. E parecia que o script seria igual: mesmo sem Gordon Banks, com diarréia, ops, problemas estomacais (é, Copa no México tem dessas), os ingleses abrem 2 a 0. Só que Franz Beckenbauer e Uwe Seeler empatam no segundo tempo e, na prorrogação, o artilheiro daquela Copa, Gerd Müller, vira o jogo e desentala aquele jogo de Wembley da garganta dos alemães.

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7) Brasil 1 (3) x 1 (4) França – 1986

Ai, como dói. Nem tanto por termos perdido aquela Copa — a seleção estava desfalcada, envelhecida e não chegou a empolgar como quatro anos antes. Mas sim por termos visto a maior injustiça que o futebol perpetrou contra um de seus gênios: o pênalti perdido por Zico. Mas tudo bem: pelo menos o jogo contra a França foi uma partidaça. Num raro caso de choque entre dois times ofensivíssimos, todos os jogadores buscaram a vitória até o final da prorrogação. Não dava para piscar. Dá play aí em cima e vê se eu tô mentido.

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6) Brasil 3 x Uruguai 1 – 1970

Uma partida de xadrez com lances de vale-tudo que, no fim das contas, foi decidida pela bola no pé. Os uruguaios faziam questão de lembrar: vinte anos antes eles tiraram o doce dos brasileiros em pleno Maracanã. E continuaram nos assustando com faltas duríssimas e inaugurando o placar com um gol de Cubilla. Mas parece que se lembrando de uma promessa feita ao seu pai vinte anos antes, Pelé resolveu dar um joelhaço naquele trauma. Liderou a virada brasileira, com gols de Clodoaldo (num golpe tático maravilhoso), Jairzinho e Rivelino, mandou uma cotovelada medonha num uruguaio e ainda judiou do goleiraço Mazurkiewicz com alguns dos mais belos não-gols da história do futebol.

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5) Argentina 3 x 2 Alemanha – 1986

O melhor time do Mundial, com o melhor jogador do mundo. Não tinha jeito: a Argentina era a favorita para levar o título. E fez jus às expectativas ao abrir 2 a 0 com até certa tranqüilidade. Mas, como vimos, a Alemanha é casca. E com Rummenigge e Völler, chegou ao empate, faltando 10 minutos para o fim. Aí o melhor do mundo honrou a alcunha: no meio de três alemães, lançou Burruchaga, que tocou no canto de Schumacher. O ponto final de uma das mais emocionantes finais de Copa.

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4) Brasil 1 x 0 Inglaterra – 1970

É o jogo que a Inglaterra não esquece. O jogo de uma das melhores exibições da seleção inglesa. Da maior defesa de todos os tempos, de Gordon Banks. Do melhor carrinho da história, de Bobby Moore. De uma esquecida grande atuação de Félix. Dos dribles de Tostão, da assistência de Pelé para Jairzinho. Para muitos (principalmente os ingleses), o jogo mais foda de todos os tempos.

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3) Argentina 2 x 1 Inglaterra – 1986

A Argentina vinha de uma ditadura sanguinolenta e de uma guerra para muitos sem sentido justamente contra a Inglaterra. Mas tinha Maradona, que naquele jogo soterrou todas as mágoas e todos os traumas e fez o sol brilhar de novo no lado de lá da fronteira. Todos sabem: é o jogo do gol de mão e do gol do século, o maior gol de todas as Copas. Mas foi também um jogão disputadíssimo. No final, Gary Lineker, artilheiro da Copa, descontou para os ingleses, que aparecem pela terceira vez nesta lista — e perdem a terceira.

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2) Brasil 4 x 1 Itália – 1970

O ápice da melhor campanha do melhor time da melhor Copa de todas. Quer mais? O TCC da seleção de Pelé no México até hoje emociona por ser a rara ocasião em que o futebol bonito (no caso, lindo) ganha (no caso, arregaça). O belo time da Itália, símbolo de uma escola completamente oposta de futebol, ainda deu certo trabalho no primeiro tempo. Mas o quinteto brasileiro de camisas 10 (Pelé, Rivelino, Gérson, Tostão e Jarzinho, todos 10 em seus clubes) fez dos 45 minutos finais a maior demonstração de futebol coletivo já vista num jogo de Copa do Mundo.

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1) Alemanha 4 x 3 Itália – 1970

Essa foi barbada. O “Jogo do Século” em quase toda lista decente. Uma partida tão incrível, mas tão incrível, que já mereceu um post só para ela. Leia e entenda porque nunca houve um jogo como este. No México e em qualquer lugar.

Postado por: Marcos Abrucio

Não era dia de Pelé

México, 1970. Em campo, um dos melhores times do mundo. A multidão aguardava mais um espetáculo da seleção canarinho. E torcia para ser abençoada com um gol de placa do camisa 10, só para ter o gostinho de dizer “Eu estava lá!”. Mas aquele não era dia de Pelé.

Todos de olho no Rei (o da direita)

Desde o apito inicial, os ingleses mostravam que não eram os campeões do mundo à toa. Mas logo aos dez minutos o Rei deu o ar da sua graça: Jairzinho avançou pela direita, foi à linha de fundo e cruzou a bola no alto para Pelé, na segunda trave. O Rei fulminou o goleiro Banks com uma linda cabeceada no canto direito. Gol!!! Gol? Não. O goleiro inglês Gordon Banks saltou no canto e fez uma defesa espetacular.

A partida continuou equilibrada. Os tchecos tentavam segurar o empate até o intervalo. O que não parecia bom negócio para o Brasil, que quase desempatou aos 40 minutos: Pelé viu o goleiro Viktor adiantado e chutou do meio de campo. No desespero o goleiro tcheco correu de volta para sua meta. A multidão, de boca aberta, sofreu com aqueles segundos de suspense. Mas a bola caprichosamente foi para fora. Mesmo assim a torcida foi ao delírio.

O segundo tempo foi marcado pela catimba do adversário e pela garra dos brasileiros. A seleção canarinho queria exorcizar o fantasma de 1950. Os uruguaios, sabendo disso, não paravam de provocar os brasileiros. O início da etapa foi de poucas oportunidades para os dois lados. Até que o goleiro uruguaio Mazurkiewicz resolveu dar um pouco de emoção ao público: cobrou mal um tiro de meta e Pelé devolveu a bola com um chute de primeira, do “meio da rua”. Para sorte uruguaia, o goleiro da celeste olímpica conseguiu evitar o gol.

Mazurkiewicz, em 1970: figurinha carimbada por Pelé

Já nos acréscimos, Mazurkiewicz seria o antagonista de outra jogada genial do Rei. Do campo de defesa, Everaldo deu um chutão para frente. No ataque,  Jairzinho – o “Furacão da Copa” – ganhou a dividida com um uruguaio e rolou a bola para Tostão. O camisa 9 percebeu Pelé passando em velocidade por trás da zaga celeste. O passe foi milimétrico e só restou a Mazurkiewicz sair da meta para evitar o gol do Rei. Em milésimos de segundos, Pelé decidiu deixar a bola passar e enganou o goleiro uruguaio – e todos no estádio. No esforço para alcançar a pelota após o drible, o Rei chutou sem equilíbrio e a bola saiu torta, morrendo na linha de fundo. Por pouco não aconteceu um dos gols mais bonitos de Pelé.

Em seguida, o árbitro apitou o fim da partida. Não era mesmo dia de Pelé… Ou era?! A torcida nas arquibancadas não deu a mínima. Todos aplaudiram de pé o espetáculo. Depois desses quatro lances geniais, havia uma certeza entre os espectadores: era sim dia de Pelé!

Brasil na Copa de 1970: lances geniais que valeram cada ingresso

Postado por: Flávio Tamashiro

Como jogar sem a bola

A jogada que encerrou a Copa do Mundo de 1970 é considerada por muitos a melhor de todos os tempos.

O lance começa no campo do Brasil, com uma sequência de dribles curtos de Clodoaldo que entorta uns quatro italianos. Ele toca para Rivelino na lateral esquerda, que lança para Jairzinho na ponta. Jair parte para o meio e toca para Pelé, na entrada da grande área. Aí a coisa fica ainda mais fina. Pelé, antevendo a jogada, dá um leve toque para a direita, sem nem olhar para o lado. Lance de gênio. Carlos Alberto vem entrando como uma bala. A bola quica sutilmente numa imperfeição do gramado e fica suspensa no ar por centésimos de segundo. O tempo exato para o Capitão pegar de primeira e fuzilar o goleiro com uma bomba espetacular. Brasil 4×1, Brasil Tricampeão.

Uma jogada tão perfeita que não poderia ser melhor. Não poderia até o dia em que alguém resolveu fazer uma perguntinha pro Pelé:

“Quando você rolou aquela bola sem olhar, como adivinhou que o Carlos Alberto estava entrando?”

A resposta do Pelé:

“O Tostão avisou, ué.”

Como assim? O Tostão nem aparece no vídeo. Ele nem participa do lance.

Eis que surge a jogada por um outro ângulo. Tostão está lá, na meia-lua, como quem não quer nada, de costas para o gol e de frente para Pelé e Carlos Alberto. Quando o Rei domina a bola, Tostão aponta discretamente, como bom mineiro, para onde a bola deve ser rolada. O Rei olha para ele e obedece.

O momento mágico: Tostão avisa e Pelé toca.

Pronto. Agora o lance estava completo. E estava revelado o segredo daquele time. Ele era muito bom com a bola e melhor ainda sem ela. Todos jogavam muito com os pés e com o cérebro. E foi assim que nos mostraram o futebol no mais alto nível já visto.

Será que outra seleção no mundo, algum dia, vai conseguir chegar lá?

Postado por: Rodrigo Mendonça

Para inglês (não) ver (a cor da bola)

Ainda a Inglaterra.

Que, como sabemos, é freguesa. Os ingleses também sabem disso. Mas não se incomodam muito, não.

Parece que eles, os responsáveis pela organização e disseminação do futebol moderno, consideram os brasileiros os responsáveis por levar o esporte que formataram ao seu estágio mais alto.

Seríamos, portanto, uma referência, uma baliza. Para o inglês, medir forças conosco é se comparar à perfeição para descobrir seu real valor — cá entre nós, não muito alto.

(O engraçado é que antes o inglês se achava o big fucker of the Peixoto neighbourhood quando o assunto era futebol. Com razão, até: os caras tinham criado as regras e ensinado o resto do mundo a jogar, ora essa. Recusavam-se a disputar Copas do Mundo como se fossem, vejam só, hors-concours.

Pois essa arrogância acabou justamente no Brasil, na Copa de 1950. Na primeira vez que aceitou exibir sua majestade num Mundial, a Inglaterra trombou com a maior das zebras. Em Belo Horizonte, perdeu de um a zero dos EUA, que na época eram ainda mais perebas que hoje, e voltaram pra casa.)

Uma das maiores provas do enorme respeito inglês a uma certa camisa amarela está no fascínio pelo Brasil x Inglaterra da Copa de 1970.

Bobby and the King

 

Que, de fato, foi um jogão. Para eles, O JOGO. Justamente por reunir a melhor companhia que a rainha conseguiu montar (a equipe campeã de 1966) e o maior time de todos (o do Rei e companhia).

“Febre de Bola”, de Nick Hornby, tem um capítulo inteiro sobre a seleção brasileira de 1970. Ainda criança, o escritor inglês enxergava as “engenhosas e desconcertantes” firulas dos jogadores brasileiros como equivalentes futebolísticos do assento ejetável do Aston Martin do James Bond. Perto do Brasil, os outros times não passavam de carros ordinários.

O menino ficou feliz da Inglaterra ter jogado de igual para igual (e jogou, mesmo) com do melhor time do mundo. Mas no final chorou quando o time de branco caiu ante à equipe que apresentou um “ideal platônico” que nem os próprios brasileiros seriam capazes de igualar.

Boa parte da imprensa inglesa apontou aquele jogo da primeira fase da Copa de 70 como o melhor de todos Mundiais. Mais: que a partida foi palco da melhor defesa de todos os tempos, de Gordon Banks em cabeçada homicida de Pelé:

(Diz a lenda que Pelé já estava comemorando quando viu o inglês pular como “um salmão” e espalmar. “Achei que era gol”, disse o Rei. “Eu também”, respondeu Banks. Bobby Moore, ainda boquiaberto, arranjou oportunidade para demonstrar o legítimo humor inglês: “Você já foi melhor, Gordon. Antes, você agarrava essas bolas…”)

Segundo os ingleses, o jogo teve até o maior desarme de todos os tempos (de Bobby Moore, um primor de elegância, sobre Jairzinho, artilheiro da Copa)!

Mas esse jogo duríssimo não foi decidido por defesa ou carrinho nenhum, e sim por uma jogada antológica de Tostão (que deu cotovelada em um, uma caneta em outro e deixou um terceiro no chão), Pelé (que recebeu a bola e a marcação de três defensores desesperados para então passar calmamente para o lado) e Jairzinho (que fuzilou Banks e saiu em linda disparada, numa das comemorações mais alegres das Copas).

Sorry, guys.

(Veja no vídeo as incríveis chances perdidas dos dois lados, o respeito ao Pelé no fim do jogo e porque o Félix é o nosso Ringo.)

Postado por: Marcos Abrucio