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E se a Copa fosse no Brasil?

Postado por: Marcos Abrucio

A final vai ser aqui. Bem, mais ou menos aqui.

A final vai ser aqui. Bem, mais ou menos aqui.

Esse é o grande problema das datas: uma hora elas chegam. Já está entre nós 2014, o ano que há algum tempo é sinônimo em nossas cabeças de “Copa no Brasil! Copa no Brasil!”.

Desde pequeno ficava imaginando: como seria uma Copa do Mundo por aqui? Itália e Alemanha jogando no mesmo campo de Bangu x América. Os camelôs do Pacaembu vendendo camisetas de Argentina e Camarões. Um bandeirão abrindo no meio da torcida da Inglaterra…  Se o Mundial de 78 foi o do jeito argentino de jogar e torcer, com mais papel higiênico do que grama em campo, uma Copa no Brasil seria uma forma do mundo inteiro ver o jogo como a gente o vê.

A Seleção Alemã adentra o gramado do Maracanã.

A Seleção Alemã adentra o gramado do Maracanã.

Na Copa das Confederações do ano passado, tivemos uma boa amostra de como a “nossa” Copa vai ser, pelo menos dos portões para dentro: tudo no “padrão FIFA”, com o que isso tem de bom e de ruim.

Estádios novos (alguns já velhos), com visual moderno e conforto para o torcedor inédito por estas bandas (também, com as cadeiras e os estádios mais caros do mundo). Tudo muito organizado, limpo, bem sinalizado… e muito pouco brasileiro.

Ops.

Ops.

Já reparou que quando a câmera mostra o interior de qualquer uma dessas novas “arenas” (é, nem estádio chama mais), não dá para saber qual é? Do lado de fora, a arquitetura ainda é única, mas dentro é tudo no tal padrão: as cadeiras são iguais, a distância da torcida para o campo é igual, as dimensões do gramado são iguais, as redes são iguais, até o ângulo de câmera é sempre igual.

Não precisava ser assim. Poderíamos ter uma Copa do Mundo no Brasil que fosse… no Brasil.

Claro que os estádios estavam caindo aos pedaços. Que não dava mais para ser tratado como gado para entrar e sair da arquibancada. Mas era possível fazer reformas estruturais sem perder a nossa cara. Bastava ter pensado melhor em algumas questões:

• Por que em todo estádio o véu da noiva tem que chacoalhar da mesma forma?
A nova rede do Maracanã é igual à do Mané Garrincha que é igual à do Soccer City que é igual à de Yokohama… Por que não podemos ver uma semifinal de Copa do Mundo no Mineirão com seu filó do tamanho de um latifúndio? Ou no Maracanã com aquela rede que já acaba logo depois da linha? Melhor ainda: imagina um jogo decisivo na Fonte Nova com aquelas traves que pareciam de futebol de botão e a rede que quase arrastava no chão:

• Por que não posso comer um McPernil?
Ok, o McDonald’s tem acordo com a FIFA. Legal, vamos vender Big Mac. Mas sem proibir feijão tropeiro no Mineirão, acarajé em Salvador e sanduíche de pernil na porta do estádio em São Paulo (pensando bem, acho que esse a Vigilância Sanitária proibiria de qualquer jeito).

Número 2.

Número 2.

• Por que estádios, desculpe, arenas novinhas em Cuiabá, Manaus, Natal e Brasília, onde nenhum time consegue lotar um estádio, quanto mais uma arena?
Tudo bem, essa é fácil: muita politicagem e algum excesso de otimismo no turismo são a resposta. Mas prossigamos.

Em vez de Manaus, por que não jogar em Belém, onde o Mangueirão está sempre cheio para ver Remo e Paysandu? Em vez de Brasília e Cuiabá, por que não o Serra Dourada, que por décadas sempre foi conhecido como o único dos nossos campos com uma grama decente?

Serra Dourada e seu gramado psicodélico, 1981.

Serra Dourada e seu gramado psicodélico, 1981.

• A Copa tinha que ser no Itaquerão?
Temos que admitir: o Morumbi é um trambolho gigantesco. Tem milhares de pontos cegos, os assentos são distantes do campo, treme assustadoramente, é longe pra burro (desculpe se você mora ali perto, mas você mora longe pra burro) e muito feio esteticamente duvidoso.

Mas sua história também é gigantesca. Acostumamos a tê-lo de pano de fundo de jogos mitológicos. E vá lá: não é possível que uma reforminha bem feita não resolva boa parte dos seus problemas. Reforma que faria bem não só a ele e ao São Paulo, mas aos torcedores de todos os times.

E também à Copa do Mundo: imagine o Fred fazendo um golaço ali e correndo feliz para a galera, como tantas vezes o Careca e o Raí já fizeram. Imagine o Neymar fazendo algo parecido com isso.

Feio? Pensando bem, poucas coisas são tão bonitas como o Morumbi de casa cheia, com um mar de bandeiras como este:

A torcida alemã vibra no Morumbi.

A torcida alemã vibra no Morumbi.

• Mas só o Morumbi presta?
São Paulo já tinha o projeto de dois estádios novos, modernos, reluzentes, pimpões: o do Corinthians e o Palmeiras. Se eles ficassem prontos a tempo da Copa, ótimo. Seriam boas alternativas. Ou poderíamos ainda dar um tapa no Pacaembu, onde 40 mil pessoas estariam maravilhosamente acomodadas. Como sempre estiveram, aliás (lembrando que até jogo de Copa já rolou por ali).

Morumbi reformado, estádios novos, Pacaembu garibado. Na verdade, são todas boas opções. A escolha, então, deveria ser muito simples: a que custasse menos dinheiro público. É, então…

• E o Maraca, hein?
É, parece que do jeito que estava não dava mais. A estrutura estava podre e corria sério risco de cair. Nem vamos lembrar que outras duas reformas já tinham gastado rios de dinheiro nos últimos 15 anos – e que, pelo jeito, deram em nada.

Mas beleza: poderiam ter reformado de novo e mantido não só a fachada, mas também o layout interno, com seus anéis imponentes. E não deixá-lo com cara de uma arena genérica.

Veja bem: o Maracanã está lindo. Mesmo. Mas vale lembrar a impressão de Arbeloa, lateral da Espanha que foi judiado pelo Neymar na final da Copa das Confederações:

 “Quando estivemos no Maracanã, não tive a sensação de jogar em um estádio com tanta tradição. Você chega e vê um estádio moderno, novo, cheio de cores, então não é capaz de te transmitir a história. Tem vestiários confortáveis, modernos e amplos. Não é como quando vamos a Anfield, La Bombonera, ao Monumental de Nuñez, onde você sente o tempo, te transmite a história. Eu gostaria de jogar lá antes da reforma. Não fui capaz de sentir nem pensar que aqui atuaram jogadores tão importantes na história do futebol. Tive a mesma sensação quando joguei, por exemplo, nos estádios novos da África do Sul no Mundial ou os da última Eurocopa. Não parecia um estádio mítico do futebol.”

Disse tudo, cara.

Claro que não há mais espaço no futebol moderno para a geral do Maracanã, mas… peraí, será que não, mesmo? Na Alemanha os torcedores do Borussia tem um espaço para assistir aos jogos como sempre assistiram: em pé, urrando como doidos.

Mané e os geraldinos.

Mané e os geraldinos.

Talvez não desse para manter o fosso e os geraldinos quase sem visão, mas será que não dava para preservar o espírito do estádio, o mais democrático do mundo?

O povão dava o recado no Maraca.

O povão dava o recado no Maraca.

Será que não poderíamos ter a final da Copa em um estádio moderno e confortável, mas que carregasse as marcas da sua história? De perto, o Camp Nou é imponente, colossal, bem cuidado, mas não esconde que tem mais de 50 anos. O Maraca Nou poderia ser assim também.

Outra coisa: encurtaram o gramado! O Maracanã tinha um dos maiores campos do mundo, com espaço bastante para não deixar nenhuma retranca funcionar – o que sempre ajudou o nosso jeito de jogar.

• Resumindo:
Poderíamos consertar as infiltrações, melhorar a visibilidade da platéia, instalar um telão novo mas mantendo as dimensões do tapete – e deixando o palco de tantas histórias mais reconhecível.

Com cara de quem já viu vitórias e derrotas, comédias e tragédias. De quem já viu Pelé fazer o primeiro dos gols de placa e o milésimo dos gols de Rei. De quem viu Mané sorrir e dizer adeus. Já viu goleadas históricas e peladas perfeitamente esquecíveis. Viu Romário dar uma caneta em Maradona, viu Maradona acertar o travessão do meio do campo, viu Gaúcho pegar pênalti, viu Rivelino, Dinamite, ouviu o Frank. Viu Zico jogar.

Não é pouca coisa.

Gênios trabalhando no Maracanã.

Gênios trabalhando no Maracanã.

E, por fim,

• Pô, por que raios tiraram o orelhão de trás do gol do Maracanã?

Alô?

Cadê você?

(Re)começo, por escrito

Postado por: Marcos Abrucio
Derby

É jogo de Copa do Mundo, amigo!

Aos poucos, devagarinho, tocando a bola sem pressa feito o Barcelona, o Copawriters vai voltando.

Além de sinalizar que, sim, estamos vivos, esse post serve também para registrar que ontem começou a Copa de 2014.

É sério. Ontem a bola rolou no primeiro jogo das eliminatórias para o Mundial do Brasil: Montserrat x Belize.

A pelada, digo, a peleja foi em campo neutro, no estádio de Malabar, em Trinidad & Tobago. Motivo: em Montserrat não tinha nenhum estádio dentro com as normas da FIFA — aparentemente, o mesmo problema enfrentado por São Paulo…

Montserrat confirmou a fama de “pior seleção do mundo” e apanhou de 5 x 2. Mas se você é um torcedor fanático desta espécie de Íbis da Concacaf, não precisa se preocupar:  domingo tem o jogo de volta, em Belmopan, capital  de Belize. Ainda dá!

***

E em homenagem ao pontapé inicial da Copa tupiniquim, colocamos aqui uma bela campanha de Renata El Dib e Thiago Bocatto para o curso “Futebol e Literatura”, da Casa do Saber.

As peças contam com (muitas) palavras e nenhuma imagem tudo que aconteceu em três fantásticos jogos de Copa do Mundo: Brasil x Itália (1970), Argentina x Inglaterra (1986) e Inglaterra x Camarões (1990).

Foram mais de 60 horas assistindo aos VTs dos jogos (pô, ninguém me chama?) e descrevendo tudo em uma enorme narrativa. O conceito da campanha (e do curso) é: “O futebol para quem gosta de ler”.

Tudo a ver com o Copawriters. E por isso mesmo, esses anúncios marcam nossa volta.

Clique para aumentar (e ler). Bom jogo!

Show de Pelé

Brasil 4 x 1 Itália (1970)

Show de Maradona

Argentina 2 x 1 Inglaterra

Show de Lineker

Inglaterra 3 x 2 Camarões

Mais futebol e propaganda juntos aqui.

Postado por: Marcos Abrucio

O final alternativo de Lost

Já faz mais de uma semana que a série Lost terminou. Se você ainda não viu o final, tá fazendo o que lendo um post com vários spoilers?!

Dunga, o que você achou do final de Lost?

Bom, posso dizer que quase todo mundo que acompanhava a série já viu seu fim. Alguns gostaram, muitos não entenderam nada e outros detestaram o que aconteceu no fatídico episódio.  E com isso, começou a saga de um engraçadíssimo vídeo com o “final alternativo de Lost”. Um final para redimir o que de fato foi visto por milhões de pessoas.

Pois bem, mas o que isso tem a ver com Copas do Mundo? É que neste post vamos falar do final alternativo para algumas decisões que surpreenderam o mundo. Imaginar o que teria acontecido se grandes favoritas como Holanda e Hungria tivessem sido campeãs. Ou simplesmente pensar no que seria do futebol brasileiro sem o “Maracanazzo”. Já parou para pensar nisso?

Copa de 1950: Brasil x Uruguai, Maracanã, 203 mil pessoas assistem ao empate da nossa seleção  contra a celeste olímpica. O resultado garante o primeiro e único título do Brasil. Barbosa ganha estátua em frente ao estádio. A base campeã é mantida para 1954, adiando a renovação. E a má performance nas Copas seguintes faz o Brasil ganhar fama de time caseiro. O povo não acredita nas chances da seleção na Copa de 2010 e aposta tudo em 2014.

Herói do único título brasileiro em Copas

Copa de 1954: Hungria x Alemanha, Wankdorf Stadium, a poderosa esquadra húngara bate a Alemanha pela segunda vez no torneio e sagra-se campeã. Nossa seleção alviceleste – o uniforme canarinho nunca seria adotado – enfrenta a Hungria, campeã olímpica, no melhor jogo de todos os tempos. Perde, mas sai de cabeça erguida ao reconhecer a superiortidade dos europeus. Até os jornais brasileiros reverenciam Puskas no dia seguinte à partida.

Puskas: um craque temido pelos adversários e pelas frágeis balanças

Copa de 1974: Holanda x Alemanha, Estádio Olímpico de Munique, a Laranja Mecânica se consagra ao bater a seleção anfitriã por 1 a 0. O toque de bola holandês encanta o mundo e dura até 1978, quando são bicampeões. Cruyff, líder do time nos dois torneios, se iguala aos maiores gênios das Copas, como Zizinho e Puskas. A vice-campeã Alemanha, por sua vez, busca seu primeiro título até hoje.

Cruyff para Beckenbauer: "Vocês não vão ver a cor da bola!"

E para você, qual jogo de Copa do Mundo mereceria um final alternativo? Nem precisa ser a grande decisão. O que você acha de mudar o desfecho do traumático Brasil x Itália, de 1982? Talvez, da emocionante partida Inglaterra x Camarões, de 1990? Ou, quem sabe, do suspeitíssimo embate Argentina x Peru, de 1978?

Postado por: Flávio Tamashiro

Os goleiros que já fui

Desde criança, sempre gostei de ser goleiro. Mas não, nunca curti apanhar de chicotinho nem levar cera quente na barriga.

Minha opção não foi fruto de masoquismo, e sim da vontade de ser protagonista de uma partida de futebol. Queria decidir o jogo, e não apenas ser mais um dentro de campo. Como minha megalomania era inversamente proporcional ao talento com a bola, não deu para ser o centroavante matador ou o meia que dá ritmo ao jogo. Restou apenas um lugar no gol, refúgio infalível dos perebas de todo o mundo.

Ser goleiro era minha chance de virar herói. Nem que para isso corresse o risco de, no primeiro frango, virar vilão. Sem contar o risco permanente de levar porradas de tudo quanto é lado.

Desde os mais longínquos recreios, passei uma infinidade de partidas embaixo das traves. E fiquei ali até há pouco mais de um ano.

Quinta à noite, quadra perto de casa. O atacante adversário invade a área. Sem antes pensar se meu plano de saúde estava em dia, caio nos pés dele. O cara corta para o lado, eu estico o braço direito. O zagueiro do meu time também se joga no lance e, no meio daquele bolo, aconteceu isso aqui:

Ouch!

Depois, isso aqui:

Arrrrgh!

E, inevitavelmente, mais isso:

Eyjafjallajoekull!

Seguido de um bom período com isso aqui:

Ô, coisa linda!

Não sei até hoje quem chutou meu dedão. Só sei que ele quebrou feito um palito de dentes. Pronto-socorro, gesso, cirurgia, seis parafusos, mais gesso, depois uma órtese sob medida, fisioterapia.

E a carreira de goleiro, interrompida. Não que o futebol tenha sentido essa perda, claro.

Mas esse afastamento dos campos e quadras me fez lembrar de todos os goleiros que eu já fui. Sim, fui. Caso você tenha pulado a infância, saiba que quando criança a gente sempre brinca que é um craque famoso. No meu caso, um guarda-metas famoso.

Não qualquer goleiro, óbvio. Goleiro bom de ser é aquele que, alem de defender muito, tem um nome bem sonoro. Por que? Simples: para, a cada defesa, podermos gritá-lo a plenos pulmões.

Aqui vai outra explicação a quem foi direto do maternal para a faculdade: durante a infância, acumulamos as funções de jogador e narrador. Não basta fazer uma grande jogada, temos que narrá-la. Isso é normal, não vá bater no seu filho se ele fizer isso.

Saiba, aliás, que foi desse jeito que o maior de todos os jogadores ganhou seu apelido. Quando pequeno, Edson gostava de pegar no gol e gritar o nome de Bilé, goleiro do time em que seu pai jogava, em Bauru. Como a criançada não entendia bem o que o menino gritava (ou a dicção do rei nunca foi muito seu forte, entende?), ele passou a ser chamado de Pelé.

Um dos primeiros goleiros que eu fui cumpria bem os requisitos citados: Harald Shumacher (ou, depois de cada defesa, Schuuuuuumaaaaaaaaaaacher!!!!) jogava muito e tinha um nome que assustava — isso muito antes do seu homônimo queixudo assombrar a F-1.

Já falei bastante do arqueiro alemão aqui — onde, aliás, escrevi o nome dele errado: é Harald, não Herald.

Herald, ops, Harald defendeu sua seleção por sete anos e em duas Copas do Mundo. Na semifinal de 1982, se destacou ao defender duas cobranças na primeira decisão por pênaltis da história das Copas. Minutos antes, com a bola ainda rolando, quase destacou a cabeça do francês  Battiston do resto do seu corpo. Hoje Schumacher é mais lembrado por esse golpe do que pelas elásticas defesas mostradas na Espanha e, quatro anos depois, no México. Coitado. Do Battiston, claro.

Schumacher é o que não está inconsciente.

Em 1986, fui outro goleiraço. Embora não ostentasse um nome assim tão poderoso, ele tinha a vantagem de jogar nos meus times, a seleção e o Corinthians. Trata-se de Caaaaaaaaaaaaaaaaaarlooooos!

Meus vizinhos ouviram tanto esse grito que devem ter se perguntado se eu tinha trocado de nome.

Carlos: nos anos 80, goleiro da seleção e do Brasil.

Desde que surgiu na Ponte Preta, Carlos era apontado como um dos melhores goleiros do Brasil. Foi reserva de Leão em 1978 e, por causa de uma lesão no cotovelo, de Waldir Peres em 1982. Na Copa seguinte, finalmente conquistou um lugar no time. E correspondeu: até a partida contra a França, ele não tinha levado nenhum gol.

Só que este jogo mostrou de maneira cruel o motivo de Carlos até hoje não ser reconhecido como deveria: o cara era azarado pra burro.

Na decisão por pênaltis, Bellone manda uma bomba na trave. Carlos acerta o canto. A bola volta do poste, bate nas suas costas e entra. Os brasileiros ainda reclamam com o árbitro, dizendo que aquilo não valia. Mas valia.

Pior que não foi a primeira vez que a asa negra do destino enchia a boca de Carlos de penas (urgh). No primeiro jogo da histórica final do Paulistão de 1977, ainda defendendo a Ponte, Carlos tenta impedir um gol do corintiano Palhinha. O atacante chuta, a bola bate em Carlos, volta no nariz de Palhinha e entra.

Depois de Carlos, incorporei outro goleiro tão bom quanto, embora, admito, menos zicado: camaronês Thomas N’Kono.

Um dos melhores jogadores africanos de todos os tempos, N’Kono chamou a atenção do mundo na Copa de 1982. Levou só um gol e acabou indo jogar na Espanha. Na Copa da Itália, em 1990, ele fez parte do time para o qual todos acabamos torcendo. O italiano Gianluigi Buffon conta que decidiu ser goleiro ao ver de perto o arqueiro de Camarões.

Mas eu gostava mesmo de N’Kono porque ele jogava com uma calça igualzinha ao moleton que eu sujava no quintal. O problema era gritar o nome dele. Aquele “n” era mudo ou pronunciado? Complicado, complicado.

Lá em casa, N’Kono virava Niiiiiiiiiikooooono.

Mas o nome que mais vezes eu urrei a cada defesa foi outro: o do arqueiro soviético Rinat Dasaeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeev!

Já metia medo logo de cara.

Durante a década de 1980, Dasaev foi eleito quatro vezes o melhor goleiro do mundo. Os soviéticos finalmente tinham encontrado um sucessor para Lev Yashin, o Aranha Negra, talvez o melhor de todos. E os brasileiros viram de perto como o cara era bão.

O Brasil estreou na Copa de 1982 contra a URSS. Os adversários saíram na frente, num frangaço de Waldir Peres (e o Carlos no banco!). E aí começou um bombardeio contra os comunistas, não de Reagan, mas de Zico, Éder, Sócrates, Falcão…

Dasaev pegou todas as bolas possíveis. Só entraram duas impossíveis, dois tirambaços de fora da área de Sócrates e Éder, já no final do jogo.

Na Copa de 86, Dasaev operou mais alguns milagres, mas de novo a União Soviética foi eliminada. Ainda participou de um jogo da Copa de 1990, mas já estava no final da carreira. Em 1991, pendurou as luvas quando defendia o Sevilla, da Espanha.

Dasaev parecia frio como Ivan Drago e, como o rival de Rocky, também era o produto de muito treinamento. Ágil, flexível, saía do gol e armava contra-ataques como poucos. Mas sua maior arma era o nome: juro que os atacantes tremiam de medo quando me ouviam gritar: Dasaeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeev (é, eu fiquei rouco muitas vezes quando criança).

Trilha sonora dessa foto: Dasaeeeeeeeeev!

Com o passar do tempo, fui outros grandes goleiros, sempre com grandes nomes: Taffareeeeeeeeeeeeeeeeel, Schmeeeeeeeeeichel, Preud’Hooooomme… Tentei representar dignamente cada um deles, mas gritando cada vez menos. É que vai ficando meio chato gritar o nome de outro cara quando você já se tornou… um cara.

Mas mesmo com os gritos guardados, continuei jogando contra os colegas da firma como se fosse uma final de Copa do Mundo. As arquibancadas estavam sempre cheias. O atacante adversário, sempre um craque. As minhas defesas, sempre milagrosas.

Passado um ano da contusão, estou liberado para voltar. Falta apenas superar o temor de enfiar de novo minha mão numa dividida.

Enquanto isso, fico me perguntando qual nome gritarei (pelo menos na minha cabeça) quando fizer a primeira defesa.

Que tal Doooooooooooooooooooooooniiiiiiiiii!!?

Not!

Uia!

Postado por Marcos Abrucio

Minha lembrança da Copa de 1990

O mundial da Itália não foi dos mais brilhantes. A seleção da Alemanha campeã não apresentava um futebol de sonhos. A do Brasil então causava pesadelos apesar de contar com talentos como Müller e Careca. Dá para ver por que para muita gente a Copa de 1990 está entre as mais “esquecíveis” da história. Mas não para mim.

Seleção alemã tricampeã: nem aos pés da nossa seleção tricampeã em 1970

A Copa de 1990 foi a primeira que acompanhei por inteiro. E não falo apenas das partidas. Lembro das ruas pintadas, do álbum de figurinhas, das edições especiais da revista Placar, do aquecimento antes das partidas jogando futebol de botão com os amigos… Boas lembranças fora dos gramados. Até a abertura do mundial eu fiz questão de assistir.

Álbum da Copa de 90: apesar do futebol pobre, tem marmanjo que guarda essa relíquia até hoje

E foi justamente na abertura que aconteceu o jogo inesquecível da Copa – na minha opinião, claro: Argentina 0 x 1 Camarões. Os hermanos entraram em campo para defender o título conquistado em 1986 sob a batuta de Maradona. O adversário africano não parecia ser um oponente à altura. Seria um jogo tranquilo, na opinião dos torcedores. Eis que a zebra africana deu as caras.

Camarões surpreendeu a Argentina e o mundo com a vitória no primeiro jogo daquela Copa. E deu início a um pesadelo na carreira do goleiro argentino Pumpido: primeiro, ele falhou no gol dos africanos; e na partida contra a URSS, teve o azar de fraturar a perna.

O vovô-garoto rouba a bola do folclórico Higuita e despacha a Colômbia do mundial

O futebol alegre dos Leões Africanos contagiou a torcida, carente do futebol-arte no torneio. Os jogos das outras seleções não empolgavam ninguém. Roger Milla, o vovô-garoto, marcava seus gols e ajudava a seleção camaronesa a derrubar seus adversários. Romênia e Colômbia provaram a força da fera – que o diga Higuita, folclórico goleiro colombiano. Os africanos diminuíram o ritmo somente contra a URSS e mesmo assim se classificaram em primeiro lugar na sua chave.

A seleção camaronesa seguiu surpreendendo até as quartas de final, quando foi derrotada pelos ingleses em uma partida emocionante: 2 a 3, com direito a duas viradas no placar. Saíram do mundial ovacionados pelos fãs do futebol alegre.

Camarões de 1990: do campo para a história e também para as melhores lojas de brinquedos

Postado por Flávio Tamashiro