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Os Caniggias

Postado por: Marcos Abrucio

Se o Brasil não ganhou TODAS as edições da Copa do Mundo, a culpa é deles. Dos algozes, dos carrascos, dos verdugos do Brasil. Dos Caniggias.

Para quem não lembra ou estava no maternal na época: Caniggia foi o cara que, com sua pose de vocalista do Poison, recebeu uma bola açucarada de Maradona, driblou Taffarel e defenestrou a seleção do Lazaroni em 1990:

Giggia, Paolo Rossi, Cruyff, Zidane (duas vezes) também nos entubaram em Copas do Mundo. Mas foram ótimos jogadores, dos maiores de todos os tempos. O fato de terem esmigalhado o Brasil foi apenas um de seus muitos feitos.

Já Claudio Caniggia, não. Quando se fala nele, a gente só se lembra daquela tarde em Turim. Do ponto final de uma das piores campanhas brasileiras de todos os tempos. (Tudo bem, vai. A gente também lembra dessa foto.)

Pois bem, quem foram nossos Caniggias? Pra começar, um dos nossos maiores executores, o…

1) Chuveirinho Assassino

Talvez você não tenha reparado, mas nas últimas três Copas que o Brasil perdeu (2010, 2006 e 1998), fomos derrubados por gols de bola parada.

Pausa para a sessão nostalgia-masoquista. 1998 e o “Quem é que sobe?!”:

2006 e o “Sai, Dida!”:

2010 e o “Fica, Júlio Cesar!”:

Dureza. Mas tão perigoso quanto a sanguinária bola aérea é o…

2) Já-ganhou dos Infernos

Claro que o Uruguai tinha um grande time. Mas o diabólico clima de “já-ganhou” criado nos dias que antecederam a final de 1950 foi determinante para a derrota brasileira.

Não por culpa dos jogadores, que fique claro. Um jornal carioca botou em letras garrafais, em cima da foto da seleção: “Eis os Campeões Mundiais” – ANTES do jogo. Políticos não saiam da concentração. Mendes de Morais, então prefeito do Rio, exigiu a vitória em discurso inflamado no Maracanã: “Eu cumpri minha palavra construindo esse estádio, cumpram agora seu dever vencendo a Copa do Mundo.

Com tanto peso nos ombros, não podia dar certo.

Claro que a Holanda de Cruyff era melhor que o Brasil em 1974. Se os dois times jogassem mais duzentas vezes, talvez empatássemos uma ou duas e olhe lá. Mas que o Brasil menosprezou aquele time, ah, menosprezou. Não é, Zagallo?

Além desses dois, também fomos vítimas de outro Caniggia: o…

3) Destino Vil e Cruel

Só o Destino Vil e Cruel explica o grande Leônidas da Silva, artilheiro e melhor jogador da Copa de 1938, tenha sido apenas o terceiro colocado no Mundial.

Diamonds are forever.

Diamonds are forever.

O Destino Vil e Cruel, esse fanfarrão, determinou que a geração de Zico, Sócrates e Falcão não levantasse o caneco ao menos uma vez. O DVC, esse dissimulado, ainda nos fez acreditar que o Galinho, ao perder aquele pênalti em 86, era o nosso algoz. Mentira. A culpa é do Destino, esse canalha. Canalha, vil e cruel.

Por outro lado, ora, ora, ora, quem também nos abateu em pleno voo foi o…

4) Destino Sábio e Misericordioso

Sim, ele também sabe o que faz. E acertadamente nos tirou de Copas que não merecíamos, de forma alguma, vencer. Como em 1930, 34, 54, 78 e 90.

Em 30 e 34, as federações cariocas e paulistas brigaram, impedindo craques como Arthur Friedenreich de embarcarem para a Copa. Perdemos logo de cara, bem feito para nós.

Em 54, apanhamos da Hungria na bola e partimos para o pau, em um dos episódios mais tristes das Copas, a Batalha de Berna. Feio, feio…

Para a Copa de 66, foram convocados 47 jogadores (!), entre eles dois Ditões (!!). O certo era o do Corinthians, mas chamaram por engano o do Flamengo. Para não ficar chato, deixaram os dois.  Na Argentina, em 78, Chicão foi convocado, Falcão não. Dá pra ser campeão assim?

Em 90, um time triste, com três zagueiros, três volantes – e ninguém marcando o Maradona. Quis o Destino, de forma sábia e misericordiosa, que não passássemos das oitavas. Não merecíamos mais do que isso. Mais do que o Caniggia argentino, foi a intervenção desse Caniggia onipotente que nos mandou de volta para casa mais cedo.

***

Que Caniggia pode nos derrubar agora? Difícil dizer antes da bola rolar. Os Caniggias são sorrateiros e aparecem de surpresa na área, sem marcação (né, Dunga, Alemão, Mozer, Ricardo Gomes, Mauro Galvão?).

Grandes adversários vão aparecer em nosso caminho. Mas por enquanto, meu maior temor é de um parente do Já-ganhou dos Infernos: o Terrível Não-Pode-Perder-Nem-Ferrando. O medo das consequências de uma derrota (vergonha mundial? Saques? Quebra-quebra?) pode pressionar nosso time a ponto de paralisá-lo.

Toc, toc, toc. Vira essa boca pra lá.

Por ora, importante mesmo é o que o vídeo abaixo comprova: a Copa finalmente chegou no Brasil!

 

F-Copa

Postado por: Marcos Abrucio

Engana-se quem acha que na vida existem coisas importantes e coisas desimportantes. Não, senhor. Existem também as Coisas Realmente Importantes (CRI).

E uma dessas CRIs está prestes a dar as caras em 2012. Estou falando da Fórmula 1, óbvio.

O que não é tão óbvio assim é um jeito decente de falar de Formula 1 aqui, em um blog sobre futebol e, mais especificamente, sobre a Copa do Mundo. Não tem nada a ver.

Por outro lado, a próxima Copa ainda está longe (pelo menos é o que esperam os pedreiros dos estádios) e não dá para comentar muito sobre uma seleção que sua para ganhar no último minuto da Bósnia. Enquanto isso, a crise de abstinência para ver uma corridinha depois de meses de espera vai, finalmente, acabar nesta semana.

Sendo assim, vamos fazer um esforço. Com um pouquinho de boa vontade, dá para enxergar uma relação entre a categoria principal do automobilismo e o momento mais importante do futebol.

Podemos imaginar, por exemplo, que campeões de F-1 seriam os campeões mundiais de futebol. Hã? Hã? Que tal? Fraco? Bom, tarde demais.

***

Começando pelo Brasil, pentacampeão mundial. Que campeão de F-1 seria equivalente a ele? Fácil, o que tem mais títulos: Michael Schumacher, feliz proprietário de sete canecos.

Ééééééé... do Brasil! Do Brasil?

O piloto alemão é uma belíssima escolha para melhor de todos os tempos. Assim como a seleção brasileira, que no imaginário mundial se tornou sinônimo de futebol bonito, em especial pelo desempenho fantástico nas Copas de 58, 62 e 70.

Schumi também empilhou atuações de gala em sua carreira interminável. Entre suas 91 vitórias (!), muitas são inesquecíveis. Como a do Grande Prémio da Bélgica de 1995, quando largou em 16o. e passou todo mundo embaixo de chuva, mesmo com pneus para pista seca em boa parte do tempo. Um baile.

Há quem reclame que Schumacher só ganhou tantos títulos porque teve a sorte de, no começo dos anos 2000, sentar no melhor carro (Ferrari), com o apoio do melhor projetista da época (Rory Byrne) e de um dos melhores estrategista da história da F-1 (Ross Brawn). Sacanagem, né?

Mas o Brasil também não teve a sorte de poder escalar no mesmo time Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos (em 1958) ou Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e Jairzinho (em 1970)? Então.

Como se esgoelaria o Galvão: Michael Schumacher é o Brasil na Formula 1!

***

E a Itália, quem seria? Alain Prost. Ambos têm quatro títulos mundiais e estão, sem dúvida, no topo dos seus respectivos esportes. Tá certo que algumas vezes eles venceram sem jogar muito bonito, mas venceram.

A retranca italiana mandou para casa seleções que tinham o futebol muito mais vistoso, como a de Zico, Sócrates e Falcão, em 1982. Prost sempre foi cerebral e preciso como um bom zagueiro italiano. E também derrotou brasileiros que jogavam mais bonito: Nelson Piquet em 1986 e Ayrton Senna, em 1989.

Só que, assim como os italianos, o narigudo também sofreu com os brasileiros. Se a Azzurra perdeu as finais de 1970 e 1994 para nós, Prost levou um chapéu de Piquet em 1983 e apanhou de Senna metaforicamente em 1988 e literalmente em 1990:

O piloto francês e a seleção italiana têm muitas semelhanças. O engraçado é que quando Prost foi pilotar na Itália, ele não se deu muito bem, não. Acabou demitido da Ferrari no meio da temporada de 1991, após ter comparado o carro vermelho com um caminhão.

***

Agora a Alemanha. Hmmm. Difícil, hein?

Vamos para a próxima. Depois eu volto aos germânicos.

***

Que campeão de Fómula 1 seria a seleção argentina? Sob o risco de levar pedradas dos dois lados da fronteira, Senna.

Explico. Tanto a seleção portenha como o piloto brasileiro têm fãs devotos, ferrenhos e raivosos, que acham seus ídolos os melhores de todos os tempos em seus respectivos esportes (apesar da matemática jogar contra: nem a Argentina nem Senna são os que mais vezes foram campeões do mundo, mas vai falar isso para um torcedor argentino ou para um hincha sennista).

Mais: os argentinos juram que se a Segunda Guerra Mundial não tivesse impedido a realização de duas Copas, eles seriam muito mais do que bicampeões. Faz sentido. Na década de 40, o time deles era quase imbatível.

Já os sennistas sempre vão argumentar que o piloto brasileiro poderia ter ganho mais do que três títulos não fosse a Tamburello. Faz sentido. O talento de Senna era incontestável, e a gana por mais e mais vitórias, também.

E se o ponto alto da seleção argentina nas Copas foi aquela pintura do Maradona na Copa de 86, Senna também fez um golaço em que partiu lá de trás e driblou meia dúzia para chegar na rede, ops, na frente. Foi na primeira volta do GP da Europa, em Donington, em 1993:

***

Imagine ser um piloto brasileiro dentro de uma escuderia inglesa ­— e que seu companheiro de time também é inglês. Ele é, naturalmente, o preferido de todos dentro do box. Imagine enfrentar esse cara (e toda a torcida contra do resto da equipe) e ainda se tornar o campeão do mundo.

Piquet fez isso em 87, na Williams, quando bateu um Nigel Mansell em ótima fase. E a seleção do Uruguai fez algo parecido em 1950. O Brasil sediava a Copa, fazia uma campanha cheia de goleadas e na final botou 200 mil torcedores no Maracanã. Perdeu para os uruguaios.

Tem brasileiro que esquece o pilotaço que Piquet foi. Três vezes campeão do mundo na década mais disputada da história da Formula 1. Talvez o melhor acertador de carros da categoria. Inventivo, estrategista, marrento, nunca ligou muito para patriotadas ­­— talvez por isso não seja, até hoje, tão popular quanto mereceria.

Por conta de terem ganho “só” duas Copas, os uruguaios também não são muito lembrados pela sua grandeza. Injusto. O princípio da história das Copas foi todo celeste: vencedores em 1930, boicotaram as edições seguintes (marrentos…) e voltaram em 1950 para serem campeões de novo. E só foram perder uma partida de Copa do Mundo nas semifinais de 1954, contra a Hungria.

Depois de décadas com times medíocres, o Uruguai voltou ao seu lugar em 2010: foi semifinalista na África do Sul. E campeão da Copa América no ano passado. Ei, o Piquet também podia voltar, né?

***

E a Alemanha? Aiaiai. Passo.

***

A seleção inglesa venceu a Copa do Mundo apenas uma vez, em 1966. Os pilotos ingleses costumam repetir esse roteiro. Nenhum outro pais tem tantos corredores “monocampeões”: Mike HawthornJohn SurteesJames HuntNigel MansellDamon HillLewis Hamilton e Jenson Button.

Qual desses pilotos seria equivalente à Inglaterra? Os torcedores ingleses, apaixonados por ambos os esportes, adorariam que fosse Lewis Hamilton (talentosíssimo, com muitas glórias pela frente). Mas acho que eles estão mais para Damon Hill (ganhou uma vez só e olhe lá.).

***

A França teve grandes momentos nas Copas (como em 1958, terceira colocada com Just Fontaine, ou nos anos 80, com a geração de Platini e Giresse). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como cair na primeira fase em 2002 e 2010 ou levar o uniforme errado para o jogo em 1978.) E seguia sem ganhar.

Até que em 1998, liderada por Zidane, finalmente foi campeã. No fim, uma lavada em cima dos brasileiros: 3 a 0.

Nigel Mansell teve grandes momentos na Fórmula 1 (foi três vezes vice-campeão mundial nos anos 80). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como bater a cabeça em uma ponte após uma vitória enquanto dava tchauzinho para a torcida ou deixar o carro morrer na última volta enquanto… dava tchauzinho para a torcida). E seguia sem ganhar.

Até que em 1992, no supercarro da Williams, finalmente foi campeão. No fim, uma lavada em cima de um brasileiro (Ayrton Senna): 108 pontos a 50.

França ————————> Mansell.

Argentina, Itália, França e Uruguai?

***

A Espanha é atual campeã do mundo de futebol. Tem jogado bonito. Tem vencido com autoridade. Tudo igual ao bicampeão Sebastian Vettel. Mas se a Fúria espanhola for mesmo o moleque da equipe do touro vermelho, aí ferrou. Isso quer dizer que a Espanha vai ganhar as 5 próximas Copas…

***

Droga, faltou a Alemanha. Quem poderia ser?

Jackie Stewart, tão tricampeão quanto? Émerson Fittipaldi, um especialista em se aproveitar do erros e dos infortúnios dos adversários, como sempre foi a pragmática seleção alemã?

Ou Jack Brabham? Ele também foi três vezes campeão, uma delas na raça: em 1959, a 500 metros da chegada da última corrida, seu carro ficou sem gasolina. O piloto australiano pulou do carro e se botou a empurrá-lo, chegando em quarto.

(Tá certo que nem precisava tanto suor: seu adversário pelo campeonato, Tony Brooks, precisava ganhar a corrida para ser campeão. E foi só o terceiro. Mas beleza, a história é boa.)

Brabham: valente feito um volante alemão (hã?).

Já sei: o também tricampeão Niki Lauda! Calculista a ponto de ser chamado de “O Computador”, seria ele o equivalente em quatro rodas do “futebol-força” alemão?

Ah, sei lá. Talvez a seleção alemã seja mais afeita a carrinhos do que a carrões.

***

Poderia continuar a brincadeira com os países que não foram campeões do mundo. A Holanda seria Gilles Villeneuve. Tanto uma como o outro encantaram fãs do esporte com exibições fantásticas. Até hoje os torcedores babam pela revolucionária seleção laranja de 1974 e pelas manobras malucas do canadense ao volante da Ferrari. Mas nem o pai do Jacques nem o time de Cruyff nunca tiveram o prazer de soltar o grito de campeão.

Quem mais? O Japão? Moleza: Satoru Nakajima. El Salvador, que levou a maior goleada das Copas? Yuji Ide. E Camarões? E a Suécia? A Tchecoslováquia?

Chega. Melhor parar por aqui. Não porque eu tenha noção do ridículo. Mas porque, ao contrario da Copa, a temporada de F-1 já vai começar.

Eba.

Doutor, o professor

Postado por: Marcos Abrucio
There Goes My Hero

Sócrates Brasileiro

Além de um bom meia-armador, uma outra espécie anda em falta no futebol brasileiro: o ídolo.

Lembra? Aquele cara que matava a pau dentro de campo e que continuava sendo admirável quando o jogo acabava. E que assim garantia um lugar no pôster que você colava na parede do quarto. (Colava, vai.)

Pois é, as coisas mudaram um pouco. Hoje tem ídolo que ameaça emporcalhar sua biografia ao se bandear para o suspeitíssimo time da cartolagem. (Ainda bem que, surpreendentemente, há exceções.)

Tem ídolo que chega ao primeiro milhão muito antes de chegar ao primeiro titulo. Até aí, tudo bem. Mesmo. O problema é ele não saber que é o futebol que o alimenta. E que, ao mesmo tempo, o futebol é apenas uma parte do seu papel de ídolo e de cidadão.

Tudo bem pensar na balada, na chuteira colorida ou se apareceu bonito no telão. O problema é, simplesmente, não pensar.

Orientado por assessores e patrulhado pelo politicamente correto, os ídolos de hoje não ofendem ninguém, não contrariam chavões, não fogem do roteiro, enfim, não falam nada. (De novo, ainda bem que há exceções aqui e ali.)

E aí, nós, torcedores, começamos a preferir nem chegar muito perto deles, os ídolos. Para não descobrir que você nunca conversaria com o gênio da bola se ele não fosse… um gênio da bola. Melhor não. Eles lá e você aqui.

Mas houve uma época em que isso era diferente. Época em que o ganhador do moto-rádio da rodada também era um cara bem legal de se sentar ao lado numa mesa de bar.

Época de Zico, de Falcão, de Reinaldo.

Época de Sócrates.

O Magro

Minha formação como torcedor se deu assistindo ao time de Sócrates, Casagrande, Wladimir, Biro-Biro… Adorava todos eles, mas Sócrates era claramente o líder, a voz a ser respeitada. Era o herói dos meus irmãos mais velhos, logo, o meu herói.

Cresci admirando tudo que ele fazia ou falava. Sócrates parecia estar sempre do lado certo, embora nem sempre do lado vencedor.

Mesmo sem nunca o ter conhecido, posso dizer que aprendi muito com ele. O Doutor foi meu professor em aulas sobre:

Liberdade: se o jogador é adulto e responsável, por que tem que ficar confinado em uma concentração? Ou: para fazer seu trabalho direito, a pessoa tem que ficar presa?

Mais: se ele não queria comemorar com a torcida, não comemorava. Ponto. Se sim, sim. Simples assim.

O Magrão me ensinou que somos todos livres.

O gesto

Ele não jogava para a torcida. E a torcida adorava.

Democracia: todo mundo tem direito a voto, do dirigente ao roupeiro, seja para escolher o esquema de jogo, o nome do técnico ou o presidente da república.

Assim como muita gente, aprendi o significado da palavra “democracia” assistindo a uma partida de futebol.

Democracia a gente aprende jogando.

Pedagogia: o cara era jogador e… formado em medicina. O melhor argumento possível para mandar as crianças jogarem bola só depois de fazerem a lição de casa.

E esse cara do lado, é o Elzo?

O barbudo com o livro é um jogador de futebol.

E até…

Educação Moral e Cívica: na estréia do Brasil em 1986, em vez do Hino Nacional, tascaram o hino… da Bandeira. Percebendo a presepada, Sócrates deixa claro o seu protesto.

Mas acho que a maior lição sobre a vida que aprendi com Sócrates é que nem sempre você consegue o que quer.

Um exemplo: o Brasil inteiro queria, depois de duas décadas, votar para presidente. Milhões de pessoas invadiam as ruas em uma campanha emocionante. Entre elas, estava Sócrates. Um dos maiores ídolos esportivos do Brasil afirmava que abriria mão de qualquer transferência para o exterior se a emenda das Diretas Já fosse aprovada.

Era uma demanda popular justa, legítima, que tinha que ser atendida. Não foi.

Digam ao povo que fico

O time das diretas.

Outro exemplo: Sócrates brilhou em um dos melhores time de todos os tempos: a seleção de 82.

Poucas vezes tantos craques ocuparam de uma vez só a mesma escalação, uma espécie de “Best of” do futebol brasileiro.

Até hoje aquele time mexe com a torcida: num almoço na semana passada, a TV do restaurante mostrava os gols da campanha de 82. Em todas as mesas, as pessoas largaram os garfos e passaram a assistir, a comentar e a comemorar (!) cada gol como se não houvesse passado quase trinta anos.

O time de Sócrates, Zico, Falcão, Éder, Cerezo, Júnior e Leandro ganhava seus jogos com autoridade, jogava bem e encantava a torcida. Tinha que ganhar. Não ganhou.

Perder faz parte.

Aprendi muito com o camisa 8 do meu time. Mas admito: de nada adiantaria toda a inteligência dele se ela também não entrasse em campo. Se ele não fosse craque.

E que craque ele era.

Se ele era um herói para mim, o toque de calcanhar era o seu genial superpoder. Uma jogada que nasceu de uma deficiência (alto, magro e com os pés pequenos, Sócrates não conseguia girar o corpo com velocidade. Para não ser desarmado, passou a tocar de primeira,  de costas mesmo), que virou uma marca registrada mas sem nunca deixar de ser objetiva, eficiente — e brilhante.

Sócrates TM

Com a cabeça e o calcanhar.

Não há espaço no futebol de hoje para um jogador barbudão, magrelo, desengonçado, assumidamente fumante e cachaceiro como foi Sócrates. Infelizmente, também não há para um jogador com toda a sua inteligência, clareza, liderança e generosidade.

Sócrates seria um ídolo onde quer que atuasse. O futebol teve a sorte dele ter escolhido ser um jogador. A gente agradece.

Obrigado, Doutor.

***

Mais:

– Casagrande sobre o parceiro: “Metade da minha história foi embora.”

– Zico: “Gênio leal.

Homenagem na final.

– Por Alexandre Matias.

– Texto no New York Times.

– Na BBC.

– O melhor, no The Guardian.

Clique de @DedeLaurentino.

A seleção de 3976

A Copa avança com duas quartas de final que mereciam ser semifinais (Brasil x Holanda e Alemanha x Argentina, os quatro melhores times até agora) e duas que deviam, no máximo, ser oitavas (Uruguai x Gana e Espanha x Paraguai).

BRA x HOL e ARG x ALE: jogos que acontecem cedo demais.

A seleção brasileira segue exatamente do jeito que se imaginava: eficiente, forte na defesa, letal no contra-ataque, sem um bom reserva para Kaká e sem jogar um futebol lá muito vistoso.

Foi assim que ela triunfou na Copa América, na Copa das Confederações e nas Eliminatórias. E vai ser assim até o fim — tomara que no dia 11.

Nessas horas em que o (bom ou mau) futebol da seleção é debatido em cada palmo do território brasileiro, sempre se evoca um velho embate: o futebol-arte x o futebol-força (ou de resultados).

Ou, como este confronto é normalmente apresentado: a seleção de 82 x a de 94.

Poesia ou prosa?

A VIP de junho montou um quadro comparativo que repete pela enésima vez a pergunta: qual das duas seleções foi melhor? Após um belo rebolation matemático (deram -10 num quesito…) chegou-se a um empate.

Muitos jornalistas e boleiros insistem em dividir o mundo entre os defensores do time de Sócrates e o de Dunga. Mas a oposição entre esses dois times é, na verdade, uma grande bobagem.

Primeiro, porque não é preciso defender um OU outro. Eu gosto dos dois, pronto.  Como uma mãe que ama seus filhos com a mesma intensidade, não importa se um virou um grande médico e o outro, juiz de futebol, os brasileiros têm as duas seleções no fundo do peito.

Outra: o time “eficaz” de 94 fez muita coisa bonita, especialmente graças ao talento de Romário. E o time “artista” de 82 foi capaz de marcar perfeitamente Diego Maradona, no jogo da segunda fase contra a Argentina.

Por isso, muito mais divertido do que imaginar 1982 x 1994 é pensar em 1982 + 1994.

Uma seleção que somasse os pontos fortes de cada uma seria incrível. Um time obediente, aplicado e mortal como o do tetra. E brilhante, leve e apaixonante como o do quase-tetra.

Mas como ficaria o time titular?

***

No gol, não há dúvidas. Valdir Peres teve uma grande história no São Paulo, mas nunca foi unanimidade na seleção. E por conta daquela falha contra a URSS, eu cresci achando que seu nome era sinônimo de frangueiro. Se um moleque da rua levava um gol por entre as pernas, eu já gritava: “Aê, Valdir Peres!”.

Já Taffarel mora na nossa memória afetiva desde 1988, quando defendeu (muito) a seleção olímpica, passando pela Copa de 1990, quando foi um dos poucos que se salvaram e, claro, pelos Mundiais de 1994 e 1998.

Sim, ele tinha sua criaçãozinha de perus. Tinha também muita dificuldade para sair do gol (o “sai que é sua, Taffarel!” era menos um bordão do que uma súplica do Galvão). Mas sua folha de bons serviços prestados à seleção é enorme.

Durante a campanha do tetra, ele jogou mal por apenas 5 minutos (o suficiente para a Holanda empatar nas quartas, mas tudo bem). De resto, foi perfeito.

E pegou pênalti em semi e em final de Copa do Mundo. Super-trunfo.

Nosso goleiro, portanto, é Taffarel. Desculpe, Taffareeeeeeeeeeeeel.

***

Não se pode reclamar dos laterais dos dois times. A turma de 1994 era muito boa. Na direita, Jorginho, habilidoso, bom cruzador, autor de 50% do gol contra a Suécia:

Na final, sentiu uma contusão. Entrou Cafu, que também iria fazer história na seleção, mas nas Copas seguintes.

Na esquerda, Leonardo ia bem até perder a cabeça e quase arrancar a de um americano. Entrou Branco, que havia jogado muito em 86 e 90.

Na Copa dos EUA, no entanto, ele era muito contestado. Por um motivo. Ou melhor, dois: cada uma de suas nádegas, enormes, balofas, balouçantes. Vindo de contusão e já no fim da carreira, Branco estava gigante.

Mas o cara era bom, e tinha estrela (a quarta). Mesmo com toda a desconfiança, jogou bem os últimos três jogos da Copa. E fez aquele gol

Grandes laterais. Mas craques mesmo são os de 82. Os flamenguistas Leandro e Júnior tinham tanto talento que hoje seriam camisas 10 de qualquer time brasileiro (menos o Santos). Júnior, no fim da carreira, virou de fato um meia e foi campeão brasileiro de 92 jogando nessa posição.

Infelizmente na seleção os dois não conseguiram erguer a taça — coisa que cansaram de fazer no rubro-negro. O que não significa que não destruíam também de verde e amarelo. Principalmente naquela Copa.

E justamente por não fazer feio numa roda de bobinho com Zico, Sócrates e Falcão, Leandro e Júnior levam a 2 e a 6, respectivamente.

***

Era para ser os Ricardos, Gomes e Rocha. Ou então o Mozer. Só que eles foram se machucando e ficando para trás. E, na última hora, no improviso, montou-se uma dupla de área improvável: Aldair e Márcio Santos.

Que foi a melhor zaga que eu vi jogar na seleção — até chegar Juan e Lúcio, mas esta é outra história.

Em 94, pela primeira vez na minha vida, eu não tinha palpitação quando o Brasil era atacado. A segurança e o entrosamento dos zagueiros era impressionante — ainda mais se lembrarmos que eles tinham jogado pouco tempo juntos.

Claro que o esquema fechado de Parreira e o ótimo desempenho defensivo dos volantes Mauro Silva (muitas vezes quase um terceiro zagueiro) e Dunga ajudaram muito. Mas a Copa da dupla de beques foi irretocável.

Sim, os zagueiros de 82 eram muito melhores tecnicamente. Oscar era ótimo. Os atleticanos amam Luizinho.

Mas, pô, levaram 3 gols do Paolo Rossi (das mais variadas formas) num jogo só. E estamos falando de Copas. Em 1994, Aldair e Marcio Santos ajudaram mais do que Oscar e Luizinho em 1982.

Eu sei, eu sei, uma pena. Aldair, Márcio Santos, pro campo.

Aldair e Marcio Santos

Eles mesmos, algum problema?

***

Ah, o meio-campo de 82…

Pois é, nunca ouvi ninguém falar: “Ah, o meio-campo de 94…”. Era um quadrado de jogadores aplicados, mas sem grande refinamento: Mauro Silva, Dunga, Zinho e Mazinho.

Para dar mais brilho àquela árida região, Parreira havia tentado Luiz Henrique, Neto, Palhinha, Rivaldo e, por fim, Raí. Mas o craque são-paulino não fez uma boa Copa, e logo foi sacado — por Mazinho, um volante que subiu na vida.

Todos trocavam passes com correção, mas só quem dava grandes lançamentos e assistências era, por incrível que pareça, o capitão Dunga.

Enquanto isso, em 82… Raríssimas vezes na história se viu um meio de campo apenas com craques. Aquele time tinha: Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico, ídolos do povo de quatro estados diferentes.

Só craques.

E todos foram bem na Copa, com golaços, assistências, toques magistrais… A tentação é chamar o meio-campo inteiro daquela seleção. Mas espera aí…

O quarteto super-ofensivo não conseguiu bater a Itália naquele dia maledeto. E Cerezo, coitado, tornou-se personagem de um verbete da enciclopédia futebolística: “como não passar uma bola pelo meio da zaga”…

Então será que aquele meio-campo era assim tão perfeito? Será que não faltava justamente aquilo que sobrava no de 94, solidez defensiva?

Não sei. E enquanto meu lado utópico pendura pôsteres dos craques de 82, meu lado que quer o caneco me faz escolher pelo menos um homem de 94, justamente o que teve o melhor desempenho.

Meu meio-campo vai de Dunga, Falcão, Sócrates e Zico.

Dunga-94

Desculpe, Cerezo.

***

Quando criança eu adorava as bombas do Éder. E sempre achei o Chulapa engraçado pra caramba. Os dois que me desculpem. Não dá para não escolher Romário e Bebeto.

Sem os dois, a seleção de 94 seria apenas um time razoável… da Alemanha. A dupla estava no auge, e compensaram a falta de técnica do meio-campo com um exagero de talento e faro de gol.

Em especial, Romário. Romário é rei. Pelo que disse que ia fazer e pelo que fez naquela Copa. Nem vou colocar aqui nenhum vídeo dele porque tudo que ele fez ainda está fresco na nossa memória.

Tá bom, eu coloco.

***

Botando na balança apenas o talento, deveríamos pegar a seleção toda de 82, mais o Taffarel e o Romário e pronto. Mas se pensarmos num time de verdade, que funcionasse na frente e atrás e, com isso, fosse capaz de ganhar, além de encantar, a escalação seria essa:

Taffarel; Leandro, Aldair, Márcio Santos e Júnior. Dunga, Falcão, Sócrates e Zico. Bebeto e Romário.

Podem jogar as pedras agora.  Ou, o que vai ser menos doloroso, mandar suas escalações de 82+94.

Aproveitem para pensar: que jogador de 2010 entraria nesse time? Tem vaga. Mas isso é assunto para outro dia. Daqui uns 15 anos.

Postado por: Marcos Abrucio

Última chamada para o craque

Já tentei de tudo. Humildemente, abri uma campanha para o Dunga limar pelo menos um dos volantes que infestam a seleção. Armei uma seleção “B” cheia de Gansos e Neymars só para atazanar a “A”. Mostrei que Ronaldinho Gaúcho decidiu muito mais do que um jogo. Quase fui para a fogueira ao dizer que ficaria feliz com o sucesso de Messi na Copa.

Nada deu certo, o que no fundo prova apenas a minha insignificância. Mas agora lanço meu último argumento para tentar introduzir um pouco mais de talento na seleção que sempre foi a mais talentosa de todas:

Os craques nos fazem torcer.

Repetindo: ao todo, Dunga pode levar oito volantes e possíveis volantes para a Copa. Uma desproporção, ainda mais que a moda agora é levar só quatro atacantes, e não cinco, como antigamente.

A lista têm muitos carregadores e poucos afinadores de piano. Sem contar que dentre os prováveis escolhidos vários passam por má fase. São reservas em seus times, ou sofrem com contusões. A zica acomete até o nosso principal pianista, Kaká.

Com tudo isso, fica claro: vai faltar craque. O cara que muda o andamento da partida, que surpreende a todos com um drible, que usa a fantasia para decidir o jogo etc.

Muricy Ramalho, que para muitos tem “retranqueiro” escrito na testa, disse na revista da ESPN deste mês:

“Copa do Mundo se ganha com um diferente, e o nosso único diferente é o Kaká, que é o cara que pode pegar a bola no meio campo e levar dentro do gol dos caras.”

Quer ver como o diferente faz diferença? A França fazia campanha opaca na última Copa. Na primeira fase, dois empates e uma vitória magra contra o Togo. Zidane mal aparecia. Nas oitavas de final, perdia de 1 a 0 da Espanha. Aí, ôôô, Zidane voltou. Ele comandou a virada sobre os espanhóis, com direito a um golaço no final:

Zizou engrenou e, no jogo seguinte, fez aquilo que todos lembram contra o Brasil. A França ainda passou por Portugal e só perdeu a final nos pênaltis — quando Zidane não estava mais em campo.

A crença no craque, no diferente, no iluminado, no ET explica a minha campanha pelo Gaúcho, que, pelo jeito, nem ele acreditou. Explica também o clamor popular pelo Ganso e pelo Neymar.

Mas inocular gênios no nosso time não serve apenas para resolver nossos problemas técnicos. O craque pode também nos fazer empolgar de novo com a seleção.

Alguns posts abaixo, listei os motivos do divórcio entre torcida e seleção — entre eles, a falta de jogadores dos times que torcemos, a discordância entre o gosto popular e o do técnico da seleção e a diferença entre o futebol que queremos e o que vemos o Brasil apresentar.

Tantos fatores não permitem uma solução fácil. Mas colocar craques no time pode ser um ótimo paliativo para essa relação.

Veja o caso do Corinthians. A torcida é enorme,  apaixonada e sempre lotou os estádios por onde vai. Aí chegou o Ronaldo. Mais gente, pagando (muito) mais começou a seguir o time. Mulheres, crianças, gente de outros estados, de outros países começaram a ir no estádio, a procurar notícias sobre o time. O ídolo tem seu próprio público.

O primeiro gol que ele fez com a camisa alvinegra, no último minuto de um jogo contra o Palmeiras, fez muitos palmeirenses esquecerem 96 anos de rivalidade para aplaudirem:

Palmeirenses que, independentemente da fase do seu time, sempre ficam mais tranqüilos quando vêem que Marcos está no gol. A mesma coisa com são-paulinos e Rogério Ceni.

Mas os maiores exemplos atuais são o Santos da molecada e o Barcelona de Messi. Neste primeiro semestre, até fiz força, mas não deu para torcer contra a garotada praiana. Não ao ver Neymar tabelando com Robinho e fazendo golaços atrás de golaços em plena final. Não ao presenciar Ganso reinventando o jogo, dando assistências de calcanhar, dando lençóis no espaço de um lenço e exigindo ficar em campo para fazer mais.

O mesmo vale para Messi. De novo: se ele continuar jogando nesse nível na Copa, vamos ter que, simplesmente, aplaudir.

Precisamos de craques para torcer. Para nos envolver, para nos grudar na cadeira. O ídolo faz isso. Jordan, Schumacher, Tiger Woods faziam isso. Pelé, Maradona, Romário, Ronaldo, todos fizeram em algum momento o mundo inteiro sentar do mesmo lado da arquibancada.

Se não temos mais aquela paixão pela “amarelinha” (você sim, Zagallo), ainda temos pelo ídolo. Na década de 80, tínhamos Zico, Sócrates, Falcão, Careca… Em 94, Romário. Em 98, Ronaldo. Em 2002, os 3 Rs: Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho.

Em 2006, tínhamos o quarteto mágico, que… é, mau exemplo. Nem sempre só o craque é suficiente. Mas dessa vez temos um time. A seleção de Dunga, fale o que quiser, é um time. Unido, sério, compenetrado, vencedor. Só falta o talento do craque.

O brilho de Kaká (ofuscado pela pubalgia), o de Robinho e o de Luis Fabiano (que de vez em quando piscam) podem não ser o bastante.

Ainda dá tempo de contar com o talento de Ganso. Apertando um pouquinho, dá para o Gaúcho e para o Neymar. Dava até para o Ronaldo — se a Copa fosse no ano passado…

Ainda dá tempo para chamar o craque, Dunga.

E com isso, aqui se encerram as minhas súplicas. Agora é esperar. Até amanhã, às 13h, horário de Brasília.

Postado por: Marcos Abrucio