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Chutou, é fogo, é gol II – A pintura e a poesia

Postado por: Marcos Abrucio

Rio de Janeiro, 16 de julho de 1950. Depois do apito final, só se ouviu o silêncio.

200 mil brasileiros estavam em choque. E não muitos uruguaios estavam lá para comemorar: sem esperança do título, os dirigentes da celeste voltaram para casa antes do jogo. “Só ficaram o técnico, o preparador físico e três massagistas”, lembra Ghiggia, aquele que martelou o último prego no nosso caixão.

Depois daquele velório, o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, enquanto o futebol uruguaio mergulhou em uma longa decadência. Até hoje, procuram substitutos para Ghiggia, Varela, Máspoli…

Os heróis de 50. Ou vilões, né.

Os heróis de 50. Ou vilões, né.

Até os 15 anos, Victor Hugo Morales acreditava que poderia ser um desses caras. Treinava todos os dias para ser o próximo uruguaio a levantar a Copa. Mas então teve a revelação: era ruim demais para isso. Decidiu se tornar jornalista – esportivo, é claro.

Ele nunca imaginaria que essa decisão o faria participar de um dos maiores momentos da história das Copas. E que, nesse momento, ele não vestiria as cores do Uruguai, mas da rival da outra margem do Rio da Prata: a Argentina.

***

Colônia do Sacramento, 20 de abril de 1964. Com apenas 16 anos, Victor Hugo vai pedir emprego na Radio Colônia. Dois anos depois, já era, segundo ele, o locutor mais jovem das Américas.

Logo foi para Montevidéu, onde acumulou os cargos de narrador e diretor de esportes da Radio Oriental. No fim da década 70, sua oposição à ditadura uruguaia começou a lhe causar problemas. Pressionado pelos militares, mudou-se para a Argentina em 1981. Nunca mais voltou.

Na Copa de 1982, narrou para a TV argentina aquele Itália 3 x 2 Brasil, ugh. O jogo acabou e Victor Hugo olhou para a arquibancadas, onde os torcedores antes batucavam sem parar. Viu os brasileiros mais uma vez calados.

Foi uma das poucas vezes na carreira em que se sentiu completamente vulnerável. Começou a chorar imediatamente:

“Me partió el corazón el silencio de los espectadores brasileños. No entendían nada en la tribuna del estadio.”

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Nossa segunda morte.

Quatro anos depois, sua emoção seria ainda mais forte.

***

Cidade do México, 22 de junho de 1986. O locutor uruguaio-argentino estava tenso. Primeiro, porque tinha parado de fumar e sentia uma fome incontrolável. Estava 14 quilos mais gordo.

Mas o motivo principal era o jogo à sua frente: Argentina x Inglaterra, valendo uma vaga nas semifinais da Copa do México. Mentira: a partida valia muito mais do que isso.

(Um ótimo relato dela está aqui.)

Dentro de campo, argentinos e ingleses se estranhavam desde 1966, quando o pau quebrou em plena Copa do Mundo. Depois de pontapés e xingamentos dos dois lados, o argentino Rattín acabou expulso. Na saída, torceu a bandeira do Reino Unido pendurada no escanteio e se sentou no tapete da rainha. Os ingleses se saíram vencedores e passaram a chamar carinhosamente os rivais de “animais”.

Fora de campo, a encrenca foi mais séria. Em 1982, tropas argentinas tentaram recuperar o controle das Ilhas Malvinas, em uma manobra populista dos militares que governavam o país. No começo, a manobra deu certo, despertando o sentimento patriótico nos hermanos. Mas logo o poderio bélico inglês se impôs, e as Ilhas voltaram a se chamar Falklands, ao custo de quase mil mortos, em sua maioria argentinos.

De volta ao jogo, agora em definitivo. Victor Hugo começa a narrar. Primeiro tempo morno, 0 x 0. No segundo, ele vê Diego Armando Maradona reescrever a história, ops, História.

Aos 6 minutos, El Pibe vence uma disputa aérea com Peter Shilton e abre o placar. O estádio inteiro viu que foi com a mão. Bilhões de pessoas ao redor do mundo viram que foi com a mão. O juiz não. Tão incrível quanto isso é um cara de 1,65 cm conseguir subir mais que um goleiro um palmo mais alto do que ele…

Sai que é sua, Shilton!

Sai que é sua, Shilton!

Uma animosidade de 20 anos atravessada na garganta, uma guerra fresca na memória, um gol de mão recém-convertido. Tudo isso borbulhava na cabeça de todos.

Aí Maradona, em um equivalente futebolístico de um solo perfeito de guitarra, pegou a bola em seu campo, driblou meio time da Inglaterra e tocou para dentro. Ele não apenas fez o maior gol das Copas, mas redefiniu o conceito de golaço. O ritmo crescente dos dribles, a velocidade da corrida e a epifania final são até hoje o padrão com o qual qualquer gol de placa é comparado.

Mas Maradona não fez aquela obra-prima sozinho: Victor Hugo Morales ajudou a deixar aquele gol ainda mais bonito.

Sua narração daqueles segundos se tornou histórica – ironicamente, por narrar quase nada do lance. Ele simplesmente para de relatar o que estava acontecendo para se deixar levar por uma corrente de sentimentos. Grita, chora, faz de improviso uma poesia que resume perfeitamente um momento histórico complexo – e que emociona até hoje.

A maior narração de todos os tempos. Olho no lance:

– Ahí la tiene Maradona, lo marcan dos, pisa la pelota Maradona. Arranca por la derecha el genio del fútbol mundial. Puede tocar para Burruchaga… Siempre Maradona. Genio, genio, genio! Ta, ta, ta, ta, ta … Gooooooool gooooooool! Quiero llorar! Dios santo, viva el fútbol, golaaaazo! Diegoooool! Maradona! Es para llorar, perdónenme, Maradona en recorrida memorable, en la jugada de todos los tiempos, barrilete cósmico, de qué planeta viniste para dejar en el camino a tanto inglés, para que el país sea un puño apretado gritando por Argentina? Argentina 2 – Inglaterra 0. Diegol, Diegol!, Diego Armando Maradona. Gracias, Dios. Por el fútbol, por Maradona, por estas lágrimas, por este Argentina 2 – Inglaterra 0. 

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Victor depois diria que era um dos poucos jornalistas que acreditava naquela seleção desde o começo. A explosão na hora do gol seria em parte causada pelo “prazer que dá ter razão”. Mas não foi só isso: ele percebeu na hora que algo gigantesco estava acontecendo – por isso cravou ao microfone: “a jogada de todos os tempos”.

Sem contar, claro, a mais linda das metáforas, ao chamar Maradona de “pipa cósmica” (!). Pipa por ter movimentos imprevisíveis, cósmico para dar ideia do tamanho daquela realização.

A poesia e a pintura.

A poesia e a pintura.

Em entrevista ao jornal “As”, Victor Hugo Morales admitiu ter passado anos sem assistir ao lance. O motivo?

“Era como se tivessem me filmado correndo bêbado e pelado pela rua. (A narração daquele gol) É um striptease espiritual.”

Depois mudou de ideia e fez a pazes com a narração: “quem sou eu para ficar alheio a algo que tanto me deu?”

Gracias.

Victor Hugo Morales.

Victor Hugo Morales.

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Veja também: Chutou, é fogo, é gol I.

Chutou, é fogo, é gol – I

Postado por: Marcos Abrucio

Mestre Fiori

“Abrem-se as cortinas e começa uma nova seção no Copawriters, torcida brasileira!”

Acho bonito o egoísmo sincero de uma criança.
 
Em algum momento do Brasileirão de 90, por exemplo, passei a rezar todas as noites para o Corinthians ser campeão. Danem-se a paz mundial, a fome na Etiópia e mais ainda os milhões de torcedores dos outros times. Deus tinha é que cuidar daquele título, inédito para mim e para o clube.
 
Talvez a interferência divina fosse mesmo necessária, já que o time entrava em campo com Guinei, Jacenir e Mauro (apelidado gentilmente pelas arquibancadas como “Doença”). Por outro lado, tinha Neto.
 
Gordo, lento, metido e encrenqueiro. E, mesmo assim, levava o time na costas (ou na pança?). Decidia todos os jogos, não só com os gols de falta, mas também com a bola rolando e, acredite, até de cabeça, em uma afronta clara à Isaac Newton. Não nos esqueçamos dos lançamentos longos e precisos, que lembravam muito um outro camisa 10 corintiano e das comemorações explosivas, ora trepando no alambrado, ora deslizando de joelhos no gramado.
 
Neto era um pequeno milagre futebolístico. A prova de que o esporte era generoso o suficiente para permitir que qualquer jogador se tornasse um ídolo, não importa o o que a balança dissesse.
The original "Eu sou f..."

The original “Eu sou f…”

Com a ajuda dos céus e do pé esquerdo daquele cara, meu time foi avançando. Conquistou a última vaga para a fase final — ah, tempos gloriosos de regulamentos malucos que misturavam pontos corridos com mata-mata… — e foi passando por times mais fortes até derrotar o São Paulo de Telê na final.

Mas, para mim, o gol mais marcante daquela campanha foi marcado no primeiro jogo das quartas-de-final. Sábado à noite (não me pergunte por quê), Pacaembu lotado. O Corinthians perdia do Atlético Mineiro até Neto olhar para o banco e perceber que iria ser substituído. Possesso, resolveu virar o jogo. Um gol de cabeça (não disse?) e outro depois de um bate-rebate na área.

Naquela época, nem todo jogo passava na TV, não. Ouvi este e milhões de outras partidas no rádio, preferencialmente na voz do maior de todos os craques da narração esportiva: Fiori Gigliotti. E não é que achei o gol da virada, que tanto me fez pular em casa, narrado por ele?

Meu eterno agradecimento à Rede Mundial dos Computadores.

***

Mais uma seção estreia no Copawriters. Aqui, postaremos alguns dos gols mais merecidamente esgoelados da história do futebol mundial – de preferência, com as respectivas narrações.  Seu nome, “Chutou, é fogo, é gol”, é uma singela homenagem a Fiori Gigliotti, o moço de Barra Bonita.

2010, a Copa da retranca

A Copa do Mundo começou, amigos. E pelo que vimos na 1ª rodada, começou decepcionando todo mundo.

Afinal, ao invés daquele futebol arte ofensivo, cheio de ziriguidum e muitos gols, o que vimos até agora foram 13 partidas onde o vencedor ganhou por apenas um gol de diferença, sendo 1×0 o placar mais repetido (exceções conseguidas por Alemanha, Coréia do Sul e Holanda).

Aqui não.

Foram 25 gols em 16 partidas, nos presenteando com uma média de 1,5 gols por partida – a pior desde 1994, quando o torneio começou a ser disputado em oito grupos com quatro equipes cada. A Copa de 2006, por exemplo, marcada pela marcação italiana e o “melhor” Canavarro, teve média de quase um gol a mais por partida.

Até quando ele foi o melhor, saíram mais gols.

A pergunta que fica é: por que isso? Por que jogos cada vez mais truncados e ralos em gols? E a resposta fica nítida quando se asssite às partidas: porque as equipes estão retrancadas.

Esqueça o argumento de que na primeira rodada as equipes entrem mais resguardadas (afinal estamos comparando apenas primeiras rodadas das cinco últimas Copas) e concentre-se nas escalações. A Coréia do Norte enfrentou o Brasil em um 5-4-1; Honduras pegou o Chile no 4-5-1; a Suíça bateu a Espanha num 4-4-2 onde a marcação começava na intermediária defensiva; e por aí vai.

"Vaca amarela, cagou na panela, quem passar do meio-campo come toda a bosta dela."

É muito jogador para marcar e pouco para atacar. Nem o nosso Brasil, tão querido pelos belos gols, escapou disso. São 3 volantes para um Kaká!

Agora, obviamente, não é SÓ isso. Tem a falta de coragem dos treinadores, mas também tem a falta de criatividade dos craques, os erros de arbitragem, as defesas dos goleiros e, claro, a própria falta de craques.

Seja como for, até aqui 2010 começou fadada a ser a Copa da retranca. Haja coração, volantes e zagueiros, amigo!

Postado por: Henrique Rojas.