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Os Caniggias

Postado por: Marcos Abrucio

Se o Brasil não ganhou TODAS as edições da Copa do Mundo, a culpa é deles. Dos algozes, dos carrascos, dos verdugos do Brasil. Dos Caniggias.

Para quem não lembra ou estava no maternal na época: Caniggia foi o cara que, com sua pose de vocalista do Poison, recebeu uma bola açucarada de Maradona, driblou Taffarel e defenestrou a seleção do Lazaroni em 1990:

Giggia, Paolo Rossi, Cruyff, Zidane (duas vezes) também nos entubaram em Copas do Mundo. Mas foram ótimos jogadores, dos maiores de todos os tempos. O fato de terem esmigalhado o Brasil foi apenas um de seus muitos feitos.

Já Claudio Caniggia, não. Quando se fala nele, a gente só se lembra daquela tarde em Turim. Do ponto final de uma das piores campanhas brasileiras de todos os tempos. (Tudo bem, vai. A gente também lembra dessa foto.)

Pois bem, quem foram nossos Caniggias? Pra começar, um dos nossos maiores executores, o…

1) Chuveirinho Assassino

Talvez você não tenha reparado, mas nas últimas três Copas que o Brasil perdeu (2010, 2006 e 1998), fomos derrubados por gols de bola parada.

Pausa para a sessão nostalgia-masoquista. 1998 e o “Quem é que sobe?!”:

2006 e o “Sai, Dida!”:

2010 e o “Fica, Júlio Cesar!”:

Dureza. Mas tão perigoso quanto a sanguinária bola aérea é o…

2) Já-ganhou dos Infernos

Claro que o Uruguai tinha um grande time. Mas o diabólico clima de “já-ganhou” criado nos dias que antecederam a final de 1950 foi determinante para a derrota brasileira.

Não por culpa dos jogadores, que fique claro. Um jornal carioca botou em letras garrafais, em cima da foto da seleção: “Eis os Campeões Mundiais” – ANTES do jogo. Políticos não saiam da concentração. Mendes de Morais, então prefeito do Rio, exigiu a vitória em discurso inflamado no Maracanã: “Eu cumpri minha palavra construindo esse estádio, cumpram agora seu dever vencendo a Copa do Mundo.

Com tanto peso nos ombros, não podia dar certo.

Claro que a Holanda de Cruyff era melhor que o Brasil em 1974. Se os dois times jogassem mais duzentas vezes, talvez empatássemos uma ou duas e olhe lá. Mas que o Brasil menosprezou aquele time, ah, menosprezou. Não é, Zagallo?

Além desses dois, também fomos vítimas de outro Caniggia: o…

3) Destino Vil e Cruel

Só o Destino Vil e Cruel explica o grande Leônidas da Silva, artilheiro e melhor jogador da Copa de 1938, tenha sido apenas o terceiro colocado no Mundial.

Diamonds are forever.

Diamonds are forever.

O Destino Vil e Cruel, esse fanfarrão, determinou que a geração de Zico, Sócrates e Falcão não levantasse o caneco ao menos uma vez. O DVC, esse dissimulado, ainda nos fez acreditar que o Galinho, ao perder aquele pênalti em 86, era o nosso algoz. Mentira. A culpa é do Destino, esse canalha. Canalha, vil e cruel.

Por outro lado, ora, ora, ora, quem também nos abateu em pleno voo foi o…

4) Destino Sábio e Misericordioso

Sim, ele também sabe o que faz. E acertadamente nos tirou de Copas que não merecíamos, de forma alguma, vencer. Como em 1930, 34, 54, 78 e 90.

Em 30 e 34, as federações cariocas e paulistas brigaram, impedindo craques como Arthur Friedenreich de embarcarem para a Copa. Perdemos logo de cara, bem feito para nós.

Em 54, apanhamos da Hungria na bola e partimos para o pau, em um dos episódios mais tristes das Copas, a Batalha de Berna. Feio, feio…

Para a Copa de 66, foram convocados 47 jogadores (!), entre eles dois Ditões (!!). O certo era o do Corinthians, mas chamaram por engano o do Flamengo. Para não ficar chato, deixaram os dois.  Na Argentina, em 78, Chicão foi convocado, Falcão não. Dá pra ser campeão assim?

Em 90, um time triste, com três zagueiros, três volantes – e ninguém marcando o Maradona. Quis o Destino, de forma sábia e misericordiosa, que não passássemos das oitavas. Não merecíamos mais do que isso. Mais do que o Caniggia argentino, foi a intervenção desse Caniggia onipotente que nos mandou de volta para casa mais cedo.

***

Que Caniggia pode nos derrubar agora? Difícil dizer antes da bola rolar. Os Caniggias são sorrateiros e aparecem de surpresa na área, sem marcação (né, Dunga, Alemão, Mozer, Ricardo Gomes, Mauro Galvão?).

Grandes adversários vão aparecer em nosso caminho. Mas por enquanto, meu maior temor é de um parente do Já-ganhou dos Infernos: o Terrível Não-Pode-Perder-Nem-Ferrando. O medo das consequências de uma derrota (vergonha mundial? Saques? Quebra-quebra?) pode pressionar nosso time a ponto de paralisá-lo.

Toc, toc, toc. Vira essa boca pra lá.

Por ora, importante mesmo é o que o vídeo abaixo comprova: a Copa finalmente chegou no Brasil!

 

Vilões

Bom moço, articulado, bem-apessoado, arrumadinho, limpinho e talvez até cheirosinho. Este era Leonardo, lateral-esquerdo do Brasil em 1994. Ele só deixou de ser o marido que toda mãe sonhava para sua filha quando, nas oitavas-de-final, seu cotovelo entrou feito um trem na fuça do americano Tab Ramos.

Não importa que aquele tenha sido um ato impensado, que o americano estivesse fungando no seu cangote e que nunca antes nem depois disso Leonardo tenha feito nada parecido. A cena horrorosa e a conseqüente suspensão do lateral até o final do torneio fizeram dele o vilão do Mundial.

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10.

K.O.

Muitos outros vilões já deram as caras em Copas. Em 1974, Ernst Jean-Joseph, zagueiro do Haiti, foi o primeiro jogador a cair no antidoping. Seu julgamento foi sumário: logo que o resultado do exame foi divulgado, representantes do ditador haitiano Baby Doc arrancaram o zagueiro do hotel e cobriram o cara de porrada, por ele ter “envergonhado a pátria”, “sujado o nome do pais”, ou coisa que o valha — claro que essa pena não valia para o próprio Baby Doc

Já vimos que, em 1982, uma voadora desgovernada do goleiro alemão Harald Schumacher sobre o francês Battiston o fez ser mais odiado entre os gauleses do que Hitler. Na verdade, o posto de malfeitor daquela Copa poderia ser estendido a todo o time da Alemanha e mais o da Áustria, os co-autores da maior marmelada das Copas.

A Alemanha tinha perdido da Argélia (!) e precisava da vitória para passar de fase. 1 a 0 já estava bom. A Áustria podia perder de um gol de diferença que também se classificaria. Adivinha qual foi o resultado?

Não podemos esquecer também dos vilões nacionais. Para os ingleses, por exemplo, Diego Maradona foi um dos dois grandes escroques da Copa de 1986. O outro foi o juiz tunisiano Bin Nasser, que validou o gol de mão do argentino naquelas quartas-de-final.

Os argentinos, por sua vez, consideram o presidente da FIFA, João Havelange, o grande crápula da Copa de 1994. A raiva se justifica se a história a seguir for verdadeira.

Havelange teria autorizado Maradona, que estava (mais) balofo e vinha de uma suspensão por doping, a usar quaisquer recursos para entrar em forma. O argentino não precisaria se preocupar: incomodado com a falta de caras conhecidas do público naquele Mundial, o dirigente teria garantido que o craque não cairia no anti-doping.

Maradona ficou fininho e jogou muito na primeira fase. Mas após o jogo contra a Grécia, para a sua surpresa, ele foi convidado a deixar seu xixi num frasco. O resultado do exame apontou a presença de efedrina e outras substâncias que “agem sobre o sistema nervoso central e circulatório, com o efeito de melhorar os reflexos, aumentar a oxigenação do sangue e diminuir a sensação de fadiga”, segundo o relatório oficial.

“Cortaram minhas pernas”, disse Maradona, suspenso da Copa, que viu a Argentina ser eliminada em seguida.

Maradona xixi

Rumo ao último xixi.

Entre os brasileiros, ninguém foi tão crucificado quanto Barbosa, o goleiro da Copa de 1950. Eternamente culpado pelas falhas na final, virou sinônimo de fracasso para boa parte do público e da imprensa. Perto do que fizeram com ele, as reações ao passe errado de Toninho Cerezo, ao pênalti perdido por Zico ou ao meião de Roberto Carlos não fazem nem cócegas.

A atual Copa, que, ufa, melhorou muito em relação à primeira rodada, já apresentou alguns fortes candidatos a vilão: a Jabulani, as vuvuzelas, o time inteiro da França.

Para mim, no entanto, ninguém ganha do delay.

(Não confundir com Delei, meia que jogou no Fluminense, Botafogo e Palmeiras.)

Delei

Ele sempre chegava atrasado nas jogadas.

Estou me refirindo ao atraso entre a programação da TV normal e a programação digital, em HD, cabo, parabólica, o diabo. São vários os níveis de atraso, dependendo da TV que você tem em casa (e as da vizinhança, claro).

Mas, em geral, o negócio é mais ou menos assim: seu vizinho, que tem TV de antena ou TV a cabo simples, grita Gooooooooooooolllll!

(barulhinhos de grilo)

E só agora, na sua casa com TV à cabo-digital-parabólica-HD-de-merda, o Galvão grita: Gooooooooooooolllll!

É um inferno que aporrinha muita gente: pela primeira vez a Copa tem transmissão digital para um  numero considerável de lares. O pior de tudo é que você nunca esquece que o delay existe. Suas orelhas estão sempre em pé, prestando atenção se alguém grita lá fora.

O desastre é completo quando seu time precisa fazer um gol e tem, por exemplo, uma falta para bater na entrada da área. Você não consegue deixar de atentar à vizinhança. E se ninguém está gritando, você já sabe: por mais que o atacante esteja ajeitando a bola com carinho, ela não vai entrar.

Se na sua casa a transmissão é analógica, fique feliz. Você gasta muito menos e assiste ao jogo verdadeiramente ao vivo.

Mas se você quer se mostrar para a vizinhança, dizendo que já tem, sim, uma TV digital, uma dica: ao ver o gol do Brasil, segure o grito na garganta. Eu sei, vai ser difícil. Mas mantenha-o lá, preso, por uns cinco segundos. E aí, quando o Galvão já tiver parado de gritar, abra a janela e grite com fé: Gooooooooooooolllll!

(Uma dica bem melhor está aqui.)

***

A seleção foi muito bem no jogo contra a Costa do Marfim e o técnico, muito mal na entrevista.

O olhar ensandecido de Dunga enquanto ele balbuciava ofensas durante a coletiva foi uma das cenas mais assustadoras que eu vi na vida.

Que fique claro: o “chupa Globo” é totalmente compreensível, pelo histórico de distorções, equívocos e não-jornalismo (esportivo ou não) da emissora. É ótimo que os brasileiros comecem a ver TV de forma mais critica. Hoje há muito mais canais de informação e participação do público, e vejo isso de forma otimista: com mais gente tomando conhecimento de mais lados de mais notícias, cai a chance de manipulação.

Mas o ódio contra o plin-plin não pode justificar tudo, muito menos o comportamento demente do treinador da seleção. Ele foi mal-educado com todos que o assistiam, não só com o jornalista global. Foi burro ao se portar assim em um evento da FIFA. E foi covarde, ao murmurar suas infâmias em vez de despejá-las em alto e bom som, diretamente a quem os merecia (ou não).

Mas o pior foi aquele olhar. Olhar de vilão de filme.

Todos sabemos, no entanto, que Dunga só será um vilão de verdade se o Brasil for eliminado. Tudo que relevamos até aqui (porque o time está bem, porque ganhamos tudo até agora, porque durante a Copa a gente torce mesmo, uai) virá à tona: seu complexo de perseguição, sua inconstância, seu despreparo, sua loucura.

Tomara que não. Prefiro lembrar dele de outra maneira:

Postado por: Marcos Abrucio

Uniformes Inesquecíveis da Humanidade – 5

Era com essa beca que o Zaire, atual República Democrática do Congo, enfrentou os adversários (ou melhor, apanhou deles) na Copa de 1974:

Oh, yeah!

Foi uma Copa de grandes uniformes. Não por acaso, bem no meio da década em que todo mundo parece ter resolvido se vestir de maneira nada discreta.

Década das roupas espalhafatosas, cheias de “personalidade”. Das cores berrantes, das estampas malucas, da moda das ruas, do estilo Black Power. Também a década em que a roupa de “jogar bola” ou de “fazer Cooper”, virou “fashion”, olha só.

Por tudo isso, nenhuma camiseta foi tão anos 70 quanto essa.

***

O Zaire foi o primeiro país da África Negra a participar de uma Copa. A classificação rendeu aos jogadores uma promessa do ditador Mobuto Sese Seko de que ganhariam casa e carro zero.

Só que a chuva na horta durou pouco. Os zairenses fizeram feio na Copa — com exceção do uniforme, claro. Não marcaram nenhum gol e levaram 14 em três jogos. Mas isso não foi o pior.

Baile nos Leopardos.

Depois da estréia, derrota por 2 a 0 para a Escócia, os jogadores africanos ficaram sabendo que não ganhariam mais seus mimos. Recusaram-se então a entrar em campo na partida seguinte, contra a Iugoslávia. Para evitar um vexame internacional, Mobuto mandou avisar que pagaria os atletas. Mesmo desconfiados e desmotivados, eles foram para o jogo.

Melhor seria ter ficado em casa. O jogo terminou 9 a 0 para os iugoslavos. Um vexame internacional. Depois do terceiro gol, ainda no primeiro tempo, o técnico (iugoslavo!) do Zaire, Blagoje Vidinic. trocou o goleiro. Ninguém entendeu direito, e a primeira coisa que o reserva fez foi buscar a bola no fundo da rede — ele nem tocara na bola e já tinha levado um gol.

Muitos anos depois, o técnico contou que um representante do Ministério dos Esportes do Zaire bateu no seu ombro e ordenou a troca. Pelo bem da sua integridade física, ele obedeceu.

Há quem diga que os africanos amoleceram naquele jogo. A verdade é que o moral dos jogadores, que já não eram lá essas coisas, bateu lá embaixo. Estavam pressionados e sem nenhuma perspectiva de ganhar nada além da humilhação pública. Daí, a surra. Mas isso não foi o pior.

(Bola no fundo da rede) x 9.

Depois da partida, Mobuto gentilmente enviou a guarda presidencial aos vestiários para dar o recado ao pé do ouvido: se os jogadores levassem quatro do Brasil, na última rodada, não voltariam vivos para casa.

Mui sabiamente, o time se esforçou ao máximo contra o Brasil. E, ufa, perdeu só de 3 a 0. Mas teve uma coisa esquisita nesse placar: os brasileiros precisavam justamente de três gols de diferença para se classificarem. Hmm…

Estando bom para ambas as partes, os brasileiros passaram de fase, e os zairenses voltaram pra casa. Vivos.

Mas nada disso foi o pior. Nem mesmo o frangaço que o goleiro Muamba (Muamba!) Kazadi engoliu (depois de ter defendido tudo no primeiro tempo) e acabou classificando o Brasil. Não. O pior é que os jogadores do Zaire não sabiam nem formar uma barreira!

***

Mas o uniforme, ah, esse sim, era bacana.

A segunda pele de um Leopardo.

Mais simples, impossível: brasão, nome do pais, colarinho de filme do Burt Reynolds e só. Ao mesmo tempo, marcante: você já viu um distintivo desse tamanho?

E que distintivo: um leopardo, símbolo do time, atacando a coitada de uma bola. Coisa linda. Tanto que as réplicas da camisa fazem sucesso até hoje entre os amantes dos fardamentos “vintage”, ui.

Ah, e tinha também a versão em amarelo:

Nice!

***

Sobre o lance da falta, vale uma explicação. Sim, existe uma explicação para aquela maluquice. E não é o completo desconhecimento da regra.

Naquele momento do jogo, o placar já era de 3 a 0. O brasileiros já estavam classificados. Já os zairenses, se sofressem mais um gol, perderiam a cabeça. Literalmente.

Aí o juiz marca uma falta frontal para o Brasil, então campeão do mundo. Quem vai bater é Rivellino, um dos melhores cobradores de falta de todos os tempos. O que você faria se estivesse na barreira?

Ilunga Mwepu pirou. Saiu correndo e enfiou a bicuda. Há alguns anos revelou que o lance foi mais um reflexo da pressão que os zairenses estavam sofrendo:

“I panicked and kicked the ball away before he (Rivelino) had taken it. “Most of the Brazil players, and the crowd too, thought it was hilarious. I shouted, ‘You bastards!’ at them because they didn’t understand the pressure we were under.”

Mwepu era o jaqueta 2.

Tudo bem, vai, está perdoado. Mas se você não conseguiu parar de rir da cena até agora, não se preocupe. Até Mwepu já fez graça com ela:

Postado por: Marcos Abrucio

***

Ver também: Uniformes Inesquecíveis da Humanidade 1 (Alemanha – 90), 2 (Brasil – 70), 3 (França/Kimberley – 78) e 4 (Cruyff – 74).

Uniformes Inesquecíveis da Humanidade – 4

O cara que surpreendeu novamente o Zagallo.

A seleção da Holanda de 1974 mudou nosso jeito de ver o futebol.

Não só por causa das inovações táticas, do uso da linha de impedimento, do “futebol total”. Disso todos sabem. Mas também porque, graças ao futebol vistoso dos holandeses naquela Copa, até hoje se espera um futebol ofensivo, envolvente, moderno de todo time que joga de laranja.

No entanto, o Uniforme Inesquecível da Humanidade que eu gostaria de destacar aqui não é o flamejante laranjão que os cavalinhos do carrossel vestiram em 1974. É o de apenas um deles. Este aqui, o número 14 de Johan Cruyff:

O grande craque Johan Cr... meu Deus, olha o cabelo do zagueiro!

Ué, mas essa camisa não era igual à dos outros? Não. Repare bem, ela tinha só duas listras nos ombros. As do resto do time tinham três:

Neeskens e Rep: uma, duas, três listras.

Não foi o costureiro que comeu bola. A listra que falta é, na verdade, o ápice de uma rivalidade que começou muito tempo antes e ainda está longe de acabar.

***

Os irmãos Rudolf e Adolf Dassler nasceram na impronunciável cidade alemã de Herzogenaurach.

“Rudi”, o mais velho, era falastrão, explosivo e tinha a manha para vendas. “Adi”, introspectivo e minucioso, era um apaixonado por esportes. Seguindo o ramo do pai, em 1920 ele monta uma sapataria. Mas estava interessado mesmo num negócio totalmente inovador, que juntava suas duas paixões: calçados esportivos.

Em 1924, os manos se juntam e fundam a Gebrüder Dassler Schuhfabrik — ou, com menos consoantes, “Fábrica de Sapatos dos Irmãos Dassler” — dedicada inicialmente a fazer calçados para corrida e chuteiras de futebol.

Os manos Adolf e Rudolf Dassler.

O talento de Adolf para construir pisantes mais leves e flexíveis e o tino comercial de Rudolf fizeram da empresa familiar um sucesso. Cada vez mais atletas usavam os artigos que saíam de Herzogaranourfster.

O incentivo quase obsessivo dos nazistas à pratica esportiva ajudou a bombar a produção da fábrica. Ironicamente, a consagração internacional chegou quando os Dassler conseguiram que Jesse Owens usasse o calçado deles nos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936. O negro americano ganhou quatro medalhas de ouro e deixou o Führer espumando.

Impossible is nothing, Jesse.

As personalidades antagônicas dos irmãos e a luta pelo controle da fábrica sempre causaram brigas homéricas. A Segunda Guerra Mundial levantou a fervura de vez. Os dois tiveram que voltar a morar na mesma casa, e um vivia às turras com o outro.

Durante um bombardeio noturno a Herzougaraiauchfftsrs, Adolf comentou, referindo-se aos aliados: “Lá vêm esses malditos de novo.”. A esposa de Rudolf ouviu e achou que o cunhado falava dela e do marido. Ao fim da guerra, Rudi foi preso pelos americanos, acusado de colaboração com os nazistas. Ele passou a vida inteira jurando que tinha sido o irmão que o havia dedurado.

Nessa altura, não tinha mais jeito: a fábrica tinha que ser dividida. Adolf juntou sílabas do seu apelido e do seu sobrenome e fundou a “Adidas”. Para distinguir seus produtos, meteu três listras em cada um deles.

Rudolf também criou sua empresa, instalada do outro lado de Hierzourchinaurarghtfktls, e usou o mesmo raciocínio para chamá-la de “Ruda”. Depois usou a cabeça e viu que esse nome era feio para dedéu e a renomeou como “Puma”.

A Adidas ganhou destaque na Copa de 1954, quando Adi Dassler colaborou com o Milagre de Berna ao fornecer chuteiras de travas ajustáveis aos jogadores da seleção alemã. Com calçados mais adequados ao campo encharcado da final, eles viraram o jogo contra os favoritíssimos húngaros: 3 a 2.

Os milagreiros campeões mundiais de 1954 e seus pisantes incrementados.

Com o tempo, as duas empresas passaram a fazer bolas, agasalhos e todo tipo de artigo esportivo — além entrar de vez para o guarda-roupas de todos os terráqueos, atletas ou não.

Enquanto a Adidas buscava cooptar todo esportista que via pela frente, a Puma, sem tantos recursos, se concentrava em alguns poucos — mas justamente os que mais chamavam a atenção da mídia, seja por seu talento ou por sua personalidade controversa. Pelos dois critérios, este era o caso de Cruyff.

***

Desde moleque no Ajax, Cruyff logo destacou por seus dribles e arrancadas — mas também pela sua liderança e vaidade.

O meia magrelo transformou um time modesto com estádio acanhado no tricampeão da Europa, sempre jogando com liberdade por todo o gramado, com a anuência do técnico Rinus Michels.

A Puma se aproximou dele rapidinho. Mas não sem passar algumas dores de cabeça. Aos 20 anos, ele já recebia 1.500 florins para usar as chuteiras com a marca do felino. Como forma de conseguir um contrato melhor, passou a usar nos treinos chuteiras Adidas, alegando que as da sua patrocinadora machucavam seus pés.

Apesar de por conta disso ter sido processado pela empresa de Rudolf Dassler, Cruyff acabou ganhando dela, às vésperas da Copa de 1974, um contrato 100 vezes maior.

Consciente do novo papel dos atletas no recém-criado negócio do esporte, ele sempre defendeu que eles deveriam ser muito bem recompensados pelas suas atuações — e, por isso, nunca perdeu a fama de mercenário.

Eu quero minha parte em dinheiro.

***

Para a Copa da Alemanha, a Adidas fechou contrato com a CBF da Holanda. Os jogadores usariam camisas, calções e moletons com as três listras da empresa.

O empresário (e sogro) de Cruyff afirmou aos cartolas laranjas que o craque poderia até dormir com sua filha, mas não usar produtos de outra empresa que não a Puma.

A federação se borrou de medo de perder o principal responsável por levar a Holanda à Copa pela primeira vez desde 1938. A Adidas, de ser responsabilizada pelos torcedores por ele não estar nos gramados alemães. E acabou cedendo.

E assim nasceu o uniforme de duas listras de Cruyff, uma solução salomônica para uma das maiores crises entre os dois irmãos marrentos de Hierzrouchnieszlingaurchiaft.

The brand with two stripes.

Detalhe da camisa paraguaia-holandesa de Cruyff.

Além das listras, havia outra diferença entre o uniforme do meia para o do resto do time: enquanto para todos a numeração seguia a ordem alfabética (o goleiro Jongbloed, por exemplo, era o número 8), ele jogou com o 14, número de sorte dele — dane-se a ordem alfabética, o cara é o dono do time!

***

Cruyff havia se metido em uma ferrenha disputa familiar-empresarial, mas, ao lutar por seus direitos e seus florins, não se deixou transformar em um mero, hã, laranja nessa pendenga.

O que não o impediu de cair numa ”pegadinha” da rival da sua patrocinadora. Conta a jornalista Barbara Smit no excelente “Invasão de Campo”, que quando a Holanda foi tirar a foto oficial para a Copa, um representante da Adidas se misturou com os jogadores e, discretamente, botou uma bolsa da marca bem na frente das chuteiras Puma de Cruyff…

***

Cruyff não foi à Copa seguinte, mas os gêmeos Willy e René van de Kerkhof, patrocinados pela Puma, estavam em campo e, seguindo seu exemplo, também exigiram camisetas com duas listras.

***

Rudolf Dassler morreu em 1974 e Adolf, em 1978. Ambos foram enterrados no mesmo cemitério, em Hierzzougeneregaraurachartsrowlaaaargh. Em lados opostos, claro.

***

Ver também: Uniformes Inesquecíveis da Humanidade 1, 2 e 3.

Postado por: Marcos Abrucio

A regra é clara:

Na cobrança de falta, a defesa deve ficar a 9,15m da bola.

E principalmente: ESPERAR O ADVERSÁRIO COBRAR!

Postado por: Marcos Abrucio