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Os Renegados da Copa (Parte I)

O telefone tocou, mas ele não atendeu. Era de se imaginar que um jogador de futebol não vá ficar grudado em seu celular durante o único mês de férias que tem no ano. Pior: durante o único mês de férias que nenhum jogador que ter a cada quatro anos.

Na terceira tentativa, no entanto, uma voz meio grogue veio do outro lado:
Bonjour, qui parle?
– Karim, é Jürgen. Precisamos de você.

Benzema estava em algum lugar do Mar Mediterrâneo, descansando com sua família após conquistar o tricampeonato da Champions League com o Real Madrid. Mas aquela mensagem direta e tipicamente alemã, vinda de um dos maiores camisas 9 que ele havia visto jogar, o deixou curioso.

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“Xá co papai”

Do outro lado do telefone, Jürgen Klinsmann explicou o porquê do telefonema. E, mesmo sendo bávaro até o último fio de cabelo loiro, deixou transparecer seu lado emocional de ter sido demitido pela Federação Norte Americana dois anos antes da Copa. O que fez o multicampeão e multicriticado atacante francês a se reconhecer – e aceitar o convite.

Outra coisa pesou na hora do oui final. Dias antes, dois compatriotas seus haviam recebido o mesmo telefonema e aceitado o mesmo convite: o jovem Rabiot e o já experiente Ribery.

A Torre de Babel em que se transformaram os grandes clubes europeus havia ajudado demais o projeto até ali. Sem sair do submundo dos vestiários, Ribery trouxe de Munique o lateral-direito Rafinha, que mandou um WhatsApp para Turim e convocou o canhoto Alexsandro, que por sua vez encontrou o belga Naiggolian no aeroporto de Roma e o colocou na parada.

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O belo e a fera

Cinco dias depois, a Seleção dos Renegados já contava com Fábregas, David Luiz, Hart, Payet, Rafinha Alcântara, Mustafi e tantos outros. Faltava apenas um nome, certamente o mais difícil de convencer, mas Kilnsmann estava pousando em Los Angeles justamente para fazê-lo.

Não a toa, o atacante que havia disputado três mundiais tinha o suor latente em sua avantajada testa ao tocar a campainha de uma gigantesca mansão em LA. Quando a porta se abriu, não somente uma música alta saiu lá de dentro, como também saiu um alto ser humano com coque samurai na cabeça e um sorriso no rosto. A conversa que prometia ser difícil se mostrou bastante simples e, em um passe de mágica (IBRACADABRA!) estava tudo resolvido.

– Diga ao mundo que Zlatan está dentro.

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Chamou?

Aquele plano havia sido nascido dois anos atrás. Assim que o selecionado dos Estados Unidos sofreu a sua segunda derrota seguida no hexagonal final da CONCACAF e Klinsmann foi demitido pela federação local, seu telefone tocou. Alguém, identificando-se apenas como “Mister”, disse que tinha um plano para abalar a sujeira do mundo do futebol e o queria como treinador.

Em um primeiro momento, claro, o alemão negou. Era contra o seu instinto. Mas após uma reunião com o tal desconhecido em território suíço, sempre neutro apesar de presente na Rússia, ele voltou atrás.

As condições para o projeto se desenrolar eram muito claras:

  • Apenas jogadores de países classificados para a Copa e não convocados poderiam ser chamados (nada de holandeses e italianos, portanto).
  • Quem aceitasse, estava declarando que estaria pronto para jogar uma partida única no dia 21 de julho de 2018.
  • Ninguém seria remunerado, mas receberia as passagens de ida a e volta + hospedagem de uma noite em um hotel 5 estrelas.
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der Kommandant

Essa última regra era pétrea, imutável. Afinal, além de se tratar de atletas muito bem pagos e vindos de todos os cantos do planeta, deveria haver uma única coisa que os unia: o desejo de vingança. Alguns estavam decepcionados, outros bravos, alguns furiosos; mas todos, sem exceção, queriam provar seu valor.

Porque pouco importa o seu salário ou quantas taças existem na sala da sua casa. Atletas não gostam de perder. Nunca. E ficar fora do maior evento esportivo do mundo era uma afronta bem difícil de se engolir.

(Continua…)

Postado por: Rojas

A Argentina perdeu para a Alemanha e para a Maldição de Tilcara

Postado por: Henrique Rojas

1986, ano de Copa do Mundo no México. O mês era janeiro e o treinador Salvador Carlos Bilardo resolveu levar seus convocados até a pequena e mística cidade argentina de Tilcara para um período de treinamentos.

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Ar rarefeito, grama rarefeita.

A escolha pelo local parecia inusitada, mas era justificável: com 2.460 metros acima do nível do mar, Tilcara era uma das raras opções para simular a altitude que os albicelestes enfrentariam alguns meses depois.

É bom lembrar que o selecionado argentino havia sido campeão do mundo em 1978, mas ao que tudo indicava, a eliminação frente Brasil e Itália na segunda fase do mundial de 1982 parecia ter mexido com os brios e a confiança dos hermanos. Por isso, durante uma pausa nos treinos, o grupo de jogadores foi até a igreja local e prometeu à Virgen de Copacabana del Abra de Punta Corral que, caso conquistassem o bicampeonato, voltariam com a taça para agradecer.

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Pelo menos a nossa Virgem tem manto azul.

Pois a história nos conta que a Argentina não apenas levou o caneco pra casa, como o fez de maneira invicta (6 vitórias, 1 empate, 14 marcados) e com a mão, vejam só, de Diós. Logo, é bem possível que a tal Virgem de Corral fosse bem chegada do Todo Poderoso…

O problema é que a promessa jamais foi paga. Nenhum atleta, nem mesmo Bilardo e sua comissão técnica, regressaram a Tilcara para agradecer.

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La mano del diablo.

E desde então, a história também nos conta um sem número de fracassos dos nossos vizinhos em Copas – incluindo aí dois vice-campeonatos, um deles no último domingo, diante da Alemanha no Maracanã.

Reza a lenda que moradores locais já fizeram por mais de uma vez a campanha Vuelvan a Tilcara. Mas como nenhum funcionário da AFA parece interessado na história, a maldição continua. E nem o Papa parece capaz de curar.

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Vulven a Tilcara. O no.

Amém.

“Vou torcer para o Brasil perder na semifinal!”

Postado por: Flávio Tamashiro

A frase acima foi dita em alto e bom som por uma torcedora brasileira a seu acompanhante na saída do Estádio Mané Garrincha após o jogo Brasil x Camarões. Tudo porque ela lembrou que só tinha ingressos para mais um jogo: a disputa do 3º lugar em Brasília. E antes mesmo da reação de indignação que tomaria seu acompanhante e os torcedores à sua volta, ela completou a pérola: “É, porque se for minha única chance de ver o Brasil jogar na Copa de novo, prefiro que a seleção dispute o 3º lugar!”

"Perder na semi? Tem dó!"

“Perder na semi? Tem dó!”

A reação dos torcedores foi de censura ainda que silenciosa: olhares de reprovação, risinhos de ironia, gente balançando negativamente a cabeça. Alguém comentou baixinho o quão egoísta era aquele pensamento. Muita gente concordou. “Como alguém pode pensar somente em si mesmo? E em plena Copa do Mundo!”, diria um amigo.

Mas pera aí? Pensar em si mesmos não é o que 99% dos torcedores fazem? E não vale falar da famosa torcida por solidariedade – “Ah, vou torcer pela França também porque meu avô é francês.”

"Eu sou mais eu!"

“Eu sou mais eu!”

Que eu saiba ninguém torce pelo Brasil pensando na felicidade do irmão, do amigo, do vizinho, do avô. Você pode até ter começado a torcer por influência de algum deles, é verdade. Mas com certeza hoje a pessoa que você mais quer ver feliz depois do jogo é você mesmo. E pode apostar que não é um fenômeno brasileiro: deve acontecer a mesma coisa com torcedores na Argentina, na Alemanha e… na Colômbia.

"Pelo amor dos meus filhinhos! Muda o time, Felipão!"

“Pelo amor dos meus filhinhos! Muda o time, Felipão!”

* * *

Nesta Copa, acompanhei dois amigos colombianos nas partidas da seleção deles em Brasília e Cuiabá. A torcida de nossos vizinhos é animada, festeira e fanática por futebol como nós. Na verdade, posso dizer que são mais animados do que nós no que diz respeito a torcer por sua seleção. Meu amigo Juan diz que os 16 anos dos “Cafeteros” longe das Copas é um dos motivos da invasão colombiana no Brasil em 2014.

Sou o colombiano da direita.

Sou o colombiano da direita.

A festa da torcida brasileira no confronto contra Camarões não chegou perto da algazarra provocada pelos colombianos nas partidas contra Costa do Marfim e Japão. Parabéns para eles. O futebol deles também enche mais os olhos do que o da nossa seleção. Ponto para eles novamente.

Febre Amarela nas arenas brasileiras

Febre Amarela nas arenas brasileiras

A vibração deles nas arquibancadas é contagiante. Não é à toa que se sentiram em casa em todas as partidas até agora. Eu mesmo me peguei vibrando com os gols de James e Quintero. Mas hoje a história muda de figura. O jogo é Brasil x Colômbia. Desculpem-me o egoísmo, amigos Juan e Andrés. Sei que sentirei falta da festa colombiana, mas após a partida eu espero poder comemorar mais do que vocês.

Vai, Brasil! P*rra!

Vai, Brasil! P*rra!

Nossos gritos – ou a falta deles – para a Copa

Postado por: Henrique Rojas

Toda as vezes em que estou assistindo a um jogo da Seleção Brasileira e escuto a torcida cantar em uníssono “eu sou brasileiro / com muito orgulho / com muito amor”, me bate uma pontinha de vergonha.

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Com orgulho. Com amor. Mas sem gritar.

Nada contra o grito em si, que veio do vôlei, fez e faz muito sucesso nas quadras. Mas tudo contra ele ser entoado em um estádio de futebol. Afinal, quem frequenta canchas voltadas ao esporte bretão, sabe que este canto nada tem a ver com a atmosfera do esporte. Usando a linguagem popular, não orna.

O máximo que dá pra entoar nas arquibancadas de um jogo canarinho é o pouco criativo – embora assertivo – “Bra-sil! Bra-sil!” (assim, com o hífen e pausa enfática). E olhe lá!

E aí, amigos, confesso ter não uma ponta, mas um iceberg de inveja de outros países sul-americanos. Os argentinos, que tem tradição em cantos futebolísticos e os exportam para o mundo, têm a belíssima “Vamos vamos Argentina”. Os chilenos têm seu vivíssimo “Chichichi lelele”, os uruguaios têm seu “No puedo parar” e assim por diante.

Na Europa, ainda é fresco na minha memória os gritos de “Allez les bleus” promovidos pelos franceses em 1998. Os ingleses, fãs incondicionais do rock nacional, geralmente se aproveitam das letras de Beatles e Oasis para incentivar o English Team. Alemães e gregos também nos deliciam com gritos empolgantes ligados ao futebol.

Mas, por aqui, ainda somos brasileiros, com muito orgulho e com…zzzzzzzz. Muito disso é culpa da CBF que, após décadas vendendo nossos amistosos para o exterior, não colaborou para a criação de uma torcida brasileira de verdade. Só o que ainda anima nossa gente são a tradicional ola, que nasceu no México durante a Copa de 1986 e que – reza a lenda – foi inventada por uam agência de publicidade americana para promover a Coca Cola durante o Mundial.

Enfim, pode até ser que nem todas as nações tenham seus gritos de incentivo. Mas a minha opinião é que, se for para continuarmos com os nossos, que seja cantando e dançando em tom jocoso – como fizemos ao meter 6 a 1 nos espanhóis em 1950, indo a uma tourada em Madri.

(Quase) Todos os corações do mundo

Postado por: Henrique Rojas

1994 é o ano que não acabou. Pelo menos não para mim, um garoto de 9 anos de idade que, em apenas 12 meses, viu seu time ser bicampeão paulista e brasileiro, além de presenciar seu primeiro título mundial com a Amarelinha.

Família Parreira

Sim, amigos, há 20 anos a nossa Seleção conquistava o tetracampeonato nos Estados Unidos! Teve Taffarel fechando o gol, teve Mazinho roubando a vaga de Raí, teve Zinho enceradeira, cotovelada do bom moço Leonardo, um campeonato impecável da dupla Bebeto-Romário, Baggio errando pênalti, Galvão dando uma gravata no Pelé e gritando “é tetra”, cambalhota no campo… Em 1994 teve de tudo.

Inclusive o melhor filme já feito sobre Copas do Mundo.

O filme, a lenda

“Todos os Corações do Mundo” (Two Billion Heart) não só fugiu da monotonia dos tradicionais documentários frios da FIFA, como traduziu aquele mundial de uma maneira inédita até então: com bom humor.

Mal começa, a película já demonstra que 90% dos americanos sequer sabiam o que diabos era o tal “futebol inglês”. Um torcedor chega a dizer, pra lá de sincero, que esportes com placares baixos não empolgam ninguém. Na sequência, no entanto, dá pra perceber que a Copa fez o soccer contagiar até a família Bush!

E assim segue o filme, com seus 110 minutos, mostrando a história das principais seleções no torneio. Para nossa alegria, aliás, a derrocada argentina é a primeira a ser relembrada. Depois vemos o fenômeno Romênia, as tradicionais Alemanha e Itália, o fracasso da esperada Colômbia (que culminou no assassinato do zagueiro Escobar), as surpresas búlgaras e suecas e, óbvio, nosso escrete tetracampeão.

Amigos, amigos. Copas a parte.

Mas o mais incrível é se lembrar de momentos quase esquecidos e até improváveis, como a classificação dos EUA, o golaço marcado por um Denner da Arábia Saudita, a eliminação dos então favoritos romenos (ah, Hagi!) para a Suécia de Ravelli fanfarrão e até mesmo os momentos de alegria proporcionados pela Bélgica do goleiraço Preud’Homme.

Isso sem falar em Strike, o simpático cachorro-mascote que vendeu um número bizarro de bonecos, virou desenho de TV e até jogo de vídeo game.

O simpático Strike

Na verdade, a Copa que tinha tudo para ser tão chata quanto a de 90, de repente, foi bacana. Bem bacana!

E já que o clima e o ano são de mundial, a janela abaixo traz o filme na íntegra. Junte seu coração ao de outros 2 bilhões de pessoas, e relembre o tetra justamente no ano que podemos ser hexa. Vai, Brasil!