Nossa seleção não é mais nossa

Já leu o post do Flávio sobre a preferência dos torcedores pelo seu time em detrimento da seleção? Não? Então dá uma olhada: “Brasil: o segundo time de todo brasileiro. Eu fico aqui esperando.

Então. Tirando a parte que diz que felizes são as mulheres, que só sofrem a cada quatro anos — eu diria que elas sofrem a cada mês… — concordo com tudo que ele escreveu.

Só queria acrescentar mais um fator que explica essa preferência: a atual falta de identificação da torcida com o time nacional.

Muita gente não consegue mais se emocionar com o “escrete” brasileiro. Não sabe mais nem o que é “escrete”. A cada quatro anos, as pessoas torcem, compram camisa e tudo mais, mas se o Brasil perde, ok. Não ficam nem putas.

Sem querer me alongar, o que é muito, muito difícil, eu diria que isso acontece por alguns fatores:

1 – O povo não se sente mais “dono” da seleção.

A dona do time canarinho é a dona CBF, que é vista com antipatia pela maioria da galera.

Antipatia totalmente justificada, diga-se logo de cara. Ela tem a mesma administração, desculpe, “administração” há mais de 20 anos. Nesse período, por um lado conquistamos duas Copas do Mundo, três Copas das Confederações e cinco edições da Copa América. Por outro, acumulamos casos de corrupção, escândalos de arbitragem, manipulação de resultados, viradas de mesa, mortes nos estádios, um campeonato brasileiro vergonhoso (Taça João Havelange, lembra?) e estádios caindo aos pedaços.

Será que dá para torcer tanto assim para o time dessa entidade?

Torcer para o time dele?

2 – A seleção nunca joga aqui, só na gringa.

Lembra que antigamente quase todo mês tinha um amistoso da seleção contra uma Iugoslávia ou Islândia da vida lotando o Castelão, o Mangueirão, o Mineirão, Serra Dourada?

Pois é. Por interesses econômicos, os amistosos da seleção agora são sempre na Europa ou para os petromagnatas de Abu Dabi.

Tudo bem que o mundo mudou, não é fácil convencer os times europeus a liberarem os jogadores para virem jogar em Manaus e voltar. Mas desse jeito, o povão acaba encontrando a seleção apenas em jogos esparsos das eliminatórias e na Copa, pela TV. A cada quatro anos.

E também no futebol, namoros à distância não funcionam.

3 – Os jogadores do seu time não jogam mais na seleção.

Fato: com os times brasileiros quebrados, a maioria dos nossos melhores jogadores acaba indo para o exterior. E a seleção, lar natural dos melhores, tem que necessariamente recorrer aos “estrangeiros”.

Uma pena. Porque quando o craque do seu time vai para a seleção, você torce duas vezes. Você fica de olho nele o jogo inteiro. Reza para ele não pisar na bola. Para ele fazer um golaço e assim todos verem como é bom tê-lo como ídolo. Bom, pelo menos foi assim que eu me senti nesse dia:

Hoje em dia, tem torcedor que nem quer que o craque do seu time seja convocado. Ele pode jogar mal e se queimar, como Diego Souza contra a Bolívia, no ano passado, pode se machucar e ficar sem jogar pelo seu time ou, pior, pode se destacar e chamar a atenção de um time europeu. O que nos leva ao próximo item:

4 – A impressão de que a seleção é um balcão de negócios.

Já aconteceu bastante: o treinador da seleção chama um cara que você nunca ouviu falar. Ele vai lá, joga alguns minutos e, no mês seguinte, é vendido para um time do Leste Europeu.

É natural que os times europeus cresçam seus olhos para os selecionáveis brasileiros. Mas que nomes como Jônatas, Mozart, Fábio Rochemback, Eduardo Costa e Leomar com a camisa amarela levantam suspeitas, levantam.

Ainda mais quando outros jogadores em ótima fase são deixados de lado.

E. Costa, Mozart. Leomar e Jônatas

Eles jogaram na seleção. E você?

5 – O técnico da seleção não ouve a galera.

Por teimosia pura, pela crença de que só quem está lá fora tem a experiência necessária para ser convocado, pelos interesses suspeitos citados acima ou por não querer se levar pelo clamor popular, os técnicos da seleção costumam ignorar os jogadores que a torcida pede.

Às vezes dá certo, como quando Felipão ignorou o Romário em 2002. Mas o que explica não levar o Falcão em 1978? E o Neto em 1990?

E o Neymar e o Ganso em 2010? Ih, polêmica.

6 – Já vimos a seleção ganhar tudo.

Temos que admitir: não vamos gritar “é hexa!” da mesma forma que gritamos “é tetra!”.

O fato de termos ganho duas das últimas quatro Copas tirou um pouco o sabor da novidade. Já escrevi antes que o tetracampeonato foi especial porque a vitória de uma Copa do Mundo era algo totalmente impensável para nossa geração. O titulo era coisa para a Alemanha ou então para Pelé e gigantes de um passado longínquo. Nós nem passávamos mais das quartas.

Já para quem tem 20 anos hoje, o diferente é perder. Eles devem bocejar quando o Brasil chega numa final. Eu gritei como um louco a primeira vez que vi isso…

E, como corintiano, devo dizer uma doída verdade: o sofrimento cria laços. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, sabe?

Mas se a demanda por títulos foi saciada, falta outra: a demanda por jogar bem.

7 – A seleção não joga como queremos.

A imagem que temos do que é o “futebol brasileiro” foi formada pelos teipes dos nossos três primeiros títulos, pelos dribles de Garrincha no Maracanã, pelo encantamento global provocado por Pelé, pela alegre seleção de 1982 e, talvez, pelos comerciais da Nike.

Por isso, tem muito chato que torce o nariz para o tetra, em 1994. “Temos que jogar bonito, pô!” — como se o que o Romário fez naquela Copa não tivesse sido lindo.

Mas tudo bem. Já que saímos da fila, podemos nos soltar e jogar o verdadeiro futebol brasileiro, bonito, alegre, certo? É o que todo brasileiro esperou depois de 1994.

E que poucas vezes conseguimos realizar. Talvez porque a imagem idealizada do tricampeonato no México e dos comerciais da Nike sejam apenas utopias, impossíveis de ser repetidas. Ou porque técnicos como Dunga discordam de quem quer espetáculo. “Temos que ganhar, pô!”

Joga, bonito.

Não tenho opinião formada. Quero ganhar a Copa. Também quero me encantar com o futebol da seleção. Talvez esse nosso futebol “mágico” não exista mais. Talvez nunca tenha exisitido. Mas pô, podia levar um volante a menos, né.

Acho que formei minha opinião: o ideal é jogar bonito para ganhar. Usar o talento, o drible, o espetáculo como diferencial competitivo. Como armas para superar o adversário. Como caminho (mais curto) para a vitória.

E, por fim:

8 – A torcida brasileira é chata para caramba

Mea culpa: somos malas. Talvez por todos fatores anteriores, em especial o último, somos exigentes demais e apoiadores de menos.

Se aos 10 minutos do primeiro tempo não teve nenhum chapéu, vaiamos. Se o time está bem marcado, vaiamos. Se erramos três passes, vaiamos.

Estou generalizando, claro. Eu mesmo não faço isso. Sou dos que ainda se empolgam com jogo da seleção. Mas dá até vergonha nos compararmos com outras torcidas. Como a argentina, que, ao menos o que diz o clichê, canta e apóia o jogo todo, até o fim, até se perder.

Tudo bem que o público que vai ao jogo da seleção é diferente do torcedor comum, que está acostumado a sofrer e sabe que o time precisa do seu apoio. Mas bem que podíamos ser mais torcedores e menos críticos.

Podíamos, ao menos um pouquinho, tratar a seleção como nosso time. Mas agora você já sabe porque isso não acontece.

Postado por: Marcos Abrucio.

7 Respostas para “Nossa seleção não é mais nossa

  1. discordo do item 5. acho que o tecnico nao tem que ouvir ninguem, afinal de contas, no final, é o dele que vai estar na reta.
    concordo muito com o item 7. brasil tem que jogar bonito e ponto. futebol bonito e objetivo é futebol vencedor, nao tem papo.

  2. Acho interessante a reflexao…. mas velho, vc eh brasileiro entao torce pra selecao caralho! quer torcer pra outra, vai pra la!

  3. Absolutamente sensacional teu texto.
    Muito bom e infelizmente, verdadeiro.

    Eu, que aprendi a gostar de futebol vendo a seleção de 1982 jogando e depois sendo campeão do mundo com o Grêmio em 1983, tenho nojo dessa SeleNike.

    Aos poucos, a CBF está conseguindo matar o amor pela seleção, não importa o esforço que a Globo e o (maldito) Galvão Bueno façam para incutir no Zé Povão a ridícula ideia de que o Brasil ainda é a “pátria de chuteiras”.

    Há anos que digo: a seleção brasileira precisa ficar FORA de uma Copa. Quem sabe as questões do futebol aqui não melhoram?

    Até lá, costumo dizer que não gosto de futebol. Gosto do Grêmio, o que é diferente e, pelo menos para mim, bem melhor.

    Abraço!

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