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O medo do ano que vem

Postado por: Marcos Abrucio

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Seu Domingos entrou no vestiário e foi de um em um com a garrafa de café. Os mais novos recusaram. Eu não. Nesse momento da carreira — os acréscimos — todo estímulo extra é bem-vindo. Virei dois copinhos.

No ano que vem, não vou estar mais aqui, sentado no chão de azulejos, respirando uma mistura de suor, umidade e cheiro de plástico das chuteiras baratas. Não quero mais fazer isso. Já são quase vinte anos. Cada temporada em uma cidade diferente, jogando quarta e domingo, tomando banho gelado, sentando no piso gelado, bebendo café gelado. Porra, seu Domingos!

Preciso fazer alguma coisa diferente na vida do que arrumar a mochila, ir para o estádio, vestir o uniforme, prender as caneleiras e chutar uma bola por 90 minutos. Por isso eu quis parar.

Mentira. Por mim, eu continuava, mas o corpo não aguenta mais. Queria ter o joelho de vinte anos com a cabeça de 39. Hoje eu sei que o futebol é um negócio simples. Duas jogadas antes, já vejo o que vai acontecer. Aprendi onde eu tenho que estar, o que eu tenho que fazer. Mas as pernas não chegam. Não correm, não chutam. Eu vou parar porque a cabeça está com vergonha delas.

A dúvida é: como vai ser depois? Não sei fazer mais nada, não me preparei para mais nada. Meu maior medo na vida é o ano que vem.

Começou o aquecimento. Piques rápidos ao redor de baldes dentro do vestiário apertado. Depois, um bobinho. Eu sempre pulo o aquecimento. Não vou me cansar antes da hora. Fico encostado em uma parede, mexendo devagar as pernas e os pés. Cada articulação tem sua trilha sonora: algumas parecem dobradiças mal-lubrificadas; outras são cascas de nozes sendo trituradas. Às vezes, sou só eu gemendo, mesmo.

Dobrei a perna esquerda. As mesmas dores e estampidos de sempre. Estiquei de novo. Depois, girei o pé no sentido horário. Som de pipocas estourando no micro-ondas. Fiz o mesmo com a perna direita: dobrei, estiquei, girei. Silêncio. Esquisito.

Repeti os movimentos e senti a canela e a coxa quentes, formigando. Mas não um formigamento paralisante, pelo contrário. A perna parecia mais firme. Pensei em falar com o doutor, mas fiquei com medo dele me tirar do time. Pior do que jogar com dor é ficar no banco com dor (e o bicho é pela metade).

Já no gramado, o formigamento e o calor estavam ainda mais fortes. Um milhão de ferroadas em brasa, mas que juntas formavam uma sensação agradável. Será que eu deveria ter falado com o doutor? Nem deu tempo de continuar pensando: o jogo começou e a bola veio para mim. Tentei um lançamento e mandei a coitada no estacionamento atrás da arquibancada de madeira. Não tinha essa força na perna havia muito tempo. Talvez nunca.

O resto, vocês podem ler no jornal da cidade: fiz três gols, todos de fora da área, todos no ângulo, todos de perna direita. No último, a rede até furou.

***

No fim do jogo, as ferroadas passaram, como se as abelhas tivessem voado para longe. Um jornalista de uma rádio local veio correndo e enfiou um microfone gigante na minha boca. Lembrei de quando eu joguei no Morumbi, no Pacaembu, na Vila Belmiro.

Em duas décadas, joguei em quinze times diferentes. Quase todos do interior de São Paulo, mas também alguns do Nordeste e do Paraná. A passagem mais reluzente foi no Bragantino: oito gols nas dez primeiras rodadas do Campeonato Paulista. Olheiro da Rússia na arquibancada. Enfiei o pé em um buraco perto da linha de fundo, torci o joelho e fiquei onze meses parado. O Bragantino não renovou meu contrato.

O jogo seguinte foi fora de casa, em Limeira. O vestiário cheio de goteiras e poças por toda parte. Nem pensar em andar por aí só de meias, e eu adoro andar de meias. Começou o aquecimento e de novo me mantive à parte. Quando as picadas começaram a esquentar minha perna direita, corri para as escadas e fui o primeiro a chegar no campo.

Eu estava cheio de confiança. Mas era uma sensação tão diferente para mim que parecia que eu estava com febre. Escanteio a nosso favor, fiquei na entrada da área, esperando algum rebote. O rebote veio, e peguei na bola de primeira. “Na gaveta!”, gritou o narrador do rádio. O goleiro nem se mexeu.

No intervalo, chamei o seu Domingos, que além de fornecedor de café também era o roupeiro do time. Pedi outra chuteira: a minha tinha rasgado ao meio, de ponta a ponta.

***

A força que enrijecia minha perna um pouco antes de entrar no gramado ia embora após o apito final. Em casa e nos treinos, nada. Só dores, guinchos e estalares. Na outra rodada, o formigamento e o calor voltavam, sem falta. Os gols, também — cadê o olheiro da Rússia agora?

O professor Samuel, nosso técnico, não era nenhum gênio. Todo mundo dava uma risadinha depois de chamá-lo de “professor”. Já estava velhinho e parecia dormir durante os jogos, principalmente à noite. Mas antes de um treino, ele bateu no meu ombro e disse que eu iria jogar mais adiantado. Que eu não precisaria mais voltar para marcar: era só para ficar lá na frente. Depois, ele foi para o banco, sentou e não falou mais nada.

Na partida seguinte, fui sorteado para o antidoping. Na outra e na outra, também. A bola parava, minha perna esfriava e eu já ia em direção ao fiscal. Sabia que seria “sorteado” toda vez. Fiquei amigo dos caras dos frasquinhos. Batíamos um papo e tomávamos uma cerveja até me dar vontade de mijar. Entregava o pote e ia embora. Nunca deu nada em nenhum exame.

***

A Débora, eu conheci na saída de um jogo em casa. Três a dois para nós, fiz o gol da vitória aos 42 do segundo tempo, de fora da área. Como sempre, fui o último a sair, depois das entrevistas, da cerveja e do mijo. No estacionamento, só estava o meu Corsa. Quando abri a porta, pensei que era a hora de falar com o presidente do clube: ele tinha que me dar um aumento, um carro novo, ou então eu me mandava para outro time. Quem sabe no próximo ano eu vou para um time grande?

“Anderson, a patada do Oeste”, disse a mulher atrás de mim, reproduzindo a manchete de um jornal local. Mais alta do que eu, loira tingida, vestia camisa do time, uma calça jeans bem justa e saltos plataforma. Me empurrou para dentro do carro e fechou a porta. Logo estávamos no banco de trás, e não entendi até agora como ela conseguiu tirar tão rápido aquela calça tão justa.

Depois dos treinos e dos jogos, encontrava a moça no estacionamento e íamos a um motel perto da rodovia. A Shirley sacou tudo e deu um jeito de acabar com aquilo. Um dia, depois de uma goleada, cheguei no carro e lá estava ela, em vez da Débora. Entramos no carro e fomos para casa. Não falamos nada a respeito nem ali, nem depois. Não vi mais a loira.

***

Estávamos no vestiário, antes da partida que decidiria o acesso para a primeira divisão. O empate era nosso. “Tem um empresário querendo falar com você depois do jogo”, disse o professor Samuel, sem nenhuma alteração na voz. Os outros estavam se aquecendo, e eu bebia o meu café, de meias.

Mais uma vez, o calor brotou de dentro da minha chuteira direita, subiu pelo tornozelo e envolveu a perna como uma meia-calça. Micropicadas frenéticas ativavam minha circulação com ainda mais força do que nas rodadas passadas.

O jogo foi duro. No intervalo, perdíamos de um a zero, mas eu estava calmo. Dava para ver minha perna pulsando. Dois adversários me marcavam de perto, e a bola quase não chegava em mim. Só fui conseguir chutar em direção ao gol aos 40 do segundo tempo, e foi o que bastou: um a um, placar que nos faria jogar na série A no ano que vem.

O juiz apitou, os jogadores do time e alguns torcedores correram para me abraçar. Eu fiquei parado, olhando para baixo: em vez da perna parar de formigar, ela começou a ficar roxa. Fervia. As picadas haviam se transformado em facadas ininterruptas. Chamei o doutor e saí de campo na maca. Seu Domingos apertava minha mão.

O que aconteceu depois também saiu nos jornais e até no Fantástico: tiveram que amputar minha perna direita para salvar minha vida. Os médicos não sabem explicar o que aconteceu. Minha carreira acabou junto com aquele campeonato. Como era previsto.

Eu estou bem. Só continuo com a mesma dúvida: como vai ser depois?

44 anos depois, uma tarde no Azteca

Postado por: Henrique Rojas

41 minutos do segundo tempo. Tostão rouba uma bola na esquerda e recua para Piazza. Piazza toca para Clodoaldo que, cercado, toca para Pelé. Pelé para Gérson, Gérson para Clodoaldo, que deixa quatro zagueiros pra trás e passa para Rivellino. De Riva para Jairzinho, deste novamente para Pelé e, em uma rolada de bola açucarada, Carlos Alberto manda um foguete no canto do goleiro Albertosi.

Deste gol todo mundo se lembra. Do resultado, então, ninguém vai conseguir se esquecer nunca: Brasil, primeiro tricampeão do mundo, 4, Itália, “só” bi, 1. Mas uma da slembranças mais incríveis diz respeito ao palco deste jogo, o Estádio Azteca.

Inaugurado em 1966 para abrigar jogos das Olimpíadas de 1968, o Azteca se consolidou mesmo em Copas do Mundo. Sediou as finais dos mundiais de 70 e 86 (quando a Colômbia teve que desistir de sediá-lo) e, desde então, o gigante com 105 mil lugares se tornou um ícone do esporte.

Eu, do alto dos meus 28 anos, não pude ver nenhum destes jogos nem in loco nem ao vivo pela TV. Mas, felizmente, 44 anos depois do gol que encantou o mundo, posso dizer que pisei no solo sagrado do Coloso de Santa Úrsula.

Eu, o Azteca e minha Corona

Eu, o Azteca e minha Corona

Foi no sábado passado, clássico local entre América e Pumas. O resultado final foi 3×1 para os visitantes universtarios, mas, sendo sincero, o placar importa pouco – ou quase nada – para quem foi lá pelo espetáculo.

A verdade é que o Estádio Azteca tem alma. E você a sente a quilômetros de distância, quando avista aquele gigante no horizonte, e se depara com os milhares de torcedores que cantam em direção a ele. Quando pisa lá dentro, então, é de arrepiar até os poucos fios de cabelo do Canhotinha de Ouro.

Festa dos 25 mil visitantes

Festa dos 25 mil visitantes

As rampas de acesso aos lugares chegam a três andares seguidos e suas cadeiras são bem mais apertadas do que manda o “Padrão Fifa”. As torcidas organizadas ficam separadas em cantos opostos, mas, no geral, todos assistem aos jogos misturados. A  lá Estados Unidos, a cerveja é liberada somente meia hora antes do jogo e existem brincadeiras tanto dentro de campo quanto nos telões – exatamente como na NBA.

Mas, como um todo, a atmosfera e o clima são latinos. E embora bastante reformado e modernizado em relação a sua estreia na década de 60, adentrar o Azteca é como se automaticamente aquele monte de cimento te contasse tantos anos de história em alto e bom som.

Mesmo que seja só por 90 minutos. Mesmo em um jogo pelo Campeonato Mexicano. Imagina na Copa!

O gigante 2h antes da partida

O gigante 2h antes da partida

Chutou, é fogo, é gol – I

Postado por: Marcos Abrucio

Mestre Fiori

“Abrem-se as cortinas e começa uma nova seção no Copawriters, torcida brasileira!”

Acho bonito o egoísmo sincero de uma criança.
 
Em algum momento do Brasileirão de 90, por exemplo, passei a rezar todas as noites para o Corinthians ser campeão. Danem-se a paz mundial, a fome na Etiópia e mais ainda os milhões de torcedores dos outros times. Deus tinha é que cuidar daquele título, inédito para mim e para o clube.
 
Talvez a interferência divina fosse mesmo necessária, já que o time entrava em campo com Guinei, Jacenir e Mauro (apelidado gentilmente pelas arquibancadas como “Doença”). Por outro lado, tinha Neto.
 
Gordo, lento, metido e encrenqueiro. E, mesmo assim, levava o time na costas (ou na pança?). Decidia todos os jogos, não só com os gols de falta, mas também com a bola rolando e, acredite, até de cabeça, em uma afronta clara à Isaac Newton. Não nos esqueçamos dos lançamentos longos e precisos, que lembravam muito um outro camisa 10 corintiano e das comemorações explosivas, ora trepando no alambrado, ora deslizando de joelhos no gramado.
 
Neto era um pequeno milagre futebolístico. A prova de que o esporte era generoso o suficiente para permitir que qualquer jogador se tornasse um ídolo, não importa o o que a balança dissesse.
The original "Eu sou f..."

The original “Eu sou f…”

Com a ajuda dos céus e do pé esquerdo daquele cara, meu time foi avançando. Conquistou a última vaga para a fase final — ah, tempos gloriosos de regulamentos malucos que misturavam pontos corridos com mata-mata… — e foi passando por times mais fortes até derrotar o São Paulo de Telê na final.

Mas, para mim, o gol mais marcante daquela campanha foi marcado no primeiro jogo das quartas-de-final. Sábado à noite (não me pergunte por quê), Pacaembu lotado. O Corinthians perdia do Atlético Mineiro até Neto olhar para o banco e perceber que iria ser substituído. Possesso, resolveu virar o jogo. Um gol de cabeça (não disse?) e outro depois de um bate-rebate na área.

Naquela época, nem todo jogo passava na TV, não. Ouvi este e milhões de outras partidas no rádio, preferencialmente na voz do maior de todos os craques da narração esportiva: Fiori Gigliotti. E não é que achei o gol da virada, que tanto me fez pular em casa, narrado por ele?

Meu eterno agradecimento à Rede Mundial dos Computadores.

***

Mais uma seção estreia no Copawriters. Aqui, postaremos alguns dos gols mais merecidamente esgoelados da história do futebol mundial – de preferência, com as respectivas narrações.  Seu nome, “Chutou, é fogo, é gol”, é uma singela homenagem a Fiori Gigliotti, o moço de Barra Bonita.

F-Copa

Postado por: Marcos Abrucio

Engana-se quem acha que na vida existem coisas importantes e coisas desimportantes. Não, senhor. Existem também as Coisas Realmente Importantes (CRI).

E uma dessas CRIs está prestes a dar as caras em 2012. Estou falando da Fórmula 1, óbvio.

O que não é tão óbvio assim é um jeito decente de falar de Formula 1 aqui, em um blog sobre futebol e, mais especificamente, sobre a Copa do Mundo. Não tem nada a ver.

Por outro lado, a próxima Copa ainda está longe (pelo menos é o que esperam os pedreiros dos estádios) e não dá para comentar muito sobre uma seleção que sua para ganhar no último minuto da Bósnia. Enquanto isso, a crise de abstinência para ver uma corridinha depois de meses de espera vai, finalmente, acabar nesta semana.

Sendo assim, vamos fazer um esforço. Com um pouquinho de boa vontade, dá para enxergar uma relação entre a categoria principal do automobilismo e o momento mais importante do futebol.

Podemos imaginar, por exemplo, que campeões de F-1 seriam os campeões mundiais de futebol. Hã? Hã? Que tal? Fraco? Bom, tarde demais.

***

Começando pelo Brasil, pentacampeão mundial. Que campeão de F-1 seria equivalente a ele? Fácil, o que tem mais títulos: Michael Schumacher, feliz proprietário de sete canecos.

Ééééééé... do Brasil! Do Brasil?

O piloto alemão é uma belíssima escolha para melhor de todos os tempos. Assim como a seleção brasileira, que no imaginário mundial se tornou sinônimo de futebol bonito, em especial pelo desempenho fantástico nas Copas de 58, 62 e 70.

Schumi também empilhou atuações de gala em sua carreira interminável. Entre suas 91 vitórias (!), muitas são inesquecíveis. Como a do Grande Prémio da Bélgica de 1995, quando largou em 16o. e passou todo mundo embaixo de chuva, mesmo com pneus para pista seca em boa parte do tempo. Um baile.

Há quem reclame que Schumacher só ganhou tantos títulos porque teve a sorte de, no começo dos anos 2000, sentar no melhor carro (Ferrari), com o apoio do melhor projetista da época (Rory Byrne) e de um dos melhores estrategista da história da F-1 (Ross Brawn). Sacanagem, né?

Mas o Brasil também não teve a sorte de poder escalar no mesmo time Pelé, Garrincha, Didi e Nilton Santos (em 1958) ou Pelé, Tostão, Gérson, Rivellino e Jairzinho (em 1970)? Então.

Como se esgoelaria o Galvão: Michael Schumacher é o Brasil na Formula 1!

***

E a Itália, quem seria? Alain Prost. Ambos têm quatro títulos mundiais e estão, sem dúvida, no topo dos seus respectivos esportes. Tá certo que algumas vezes eles venceram sem jogar muito bonito, mas venceram.

A retranca italiana mandou para casa seleções que tinham o futebol muito mais vistoso, como a de Zico, Sócrates e Falcão, em 1982. Prost sempre foi cerebral e preciso como um bom zagueiro italiano. E também derrotou brasileiros que jogavam mais bonito: Nelson Piquet em 1986 e Ayrton Senna, em 1989.

Só que, assim como os italianos, o narigudo também sofreu com os brasileiros. Se a Azzurra perdeu as finais de 1970 e 1994 para nós, Prost levou um chapéu de Piquet em 1983 e apanhou de Senna metaforicamente em 1988 e literalmente em 1990:

O piloto francês e a seleção italiana têm muitas semelhanças. O engraçado é que quando Prost foi pilotar na Itália, ele não se deu muito bem, não. Acabou demitido da Ferrari no meio da temporada de 1991, após ter comparado o carro vermelho com um caminhão.

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Agora a Alemanha. Hmmm. Difícil, hein?

Vamos para a próxima. Depois eu volto aos germânicos.

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Que campeão de Fómula 1 seria a seleção argentina? Sob o risco de levar pedradas dos dois lados da fronteira, Senna.

Explico. Tanto a seleção portenha como o piloto brasileiro têm fãs devotos, ferrenhos e raivosos, que acham seus ídolos os melhores de todos os tempos em seus respectivos esportes (apesar da matemática jogar contra: nem a Argentina nem Senna são os que mais vezes foram campeões do mundo, mas vai falar isso para um torcedor argentino ou para um hincha sennista).

Mais: os argentinos juram que se a Segunda Guerra Mundial não tivesse impedido a realização de duas Copas, eles seriam muito mais do que bicampeões. Faz sentido. Na década de 40, o time deles era quase imbatível.

Já os sennistas sempre vão argumentar que o piloto brasileiro poderia ter ganho mais do que três títulos não fosse a Tamburello. Faz sentido. O talento de Senna era incontestável, e a gana por mais e mais vitórias, também.

E se o ponto alto da seleção argentina nas Copas foi aquela pintura do Maradona na Copa de 86, Senna também fez um golaço em que partiu lá de trás e driblou meia dúzia para chegar na rede, ops, na frente. Foi na primeira volta do GP da Europa, em Donington, em 1993:

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Imagine ser um piloto brasileiro dentro de uma escuderia inglesa ­— e que seu companheiro de time também é inglês. Ele é, naturalmente, o preferido de todos dentro do box. Imagine enfrentar esse cara (e toda a torcida contra do resto da equipe) e ainda se tornar o campeão do mundo.

Piquet fez isso em 87, na Williams, quando bateu um Nigel Mansell em ótima fase. E a seleção do Uruguai fez algo parecido em 1950. O Brasil sediava a Copa, fazia uma campanha cheia de goleadas e na final botou 200 mil torcedores no Maracanã. Perdeu para os uruguaios.

Tem brasileiro que esquece o pilotaço que Piquet foi. Três vezes campeão do mundo na década mais disputada da história da Formula 1. Talvez o melhor acertador de carros da categoria. Inventivo, estrategista, marrento, nunca ligou muito para patriotadas ­­— talvez por isso não seja, até hoje, tão popular quanto mereceria.

Por conta de terem ganho “só” duas Copas, os uruguaios também não são muito lembrados pela sua grandeza. Injusto. O princípio da história das Copas foi todo celeste: vencedores em 1930, boicotaram as edições seguintes (marrentos…) e voltaram em 1950 para serem campeões de novo. E só foram perder uma partida de Copa do Mundo nas semifinais de 1954, contra a Hungria.

Depois de décadas com times medíocres, o Uruguai voltou ao seu lugar em 2010: foi semifinalista na África do Sul. E campeão da Copa América no ano passado. Ei, o Piquet também podia voltar, né?

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E a Alemanha? Aiaiai. Passo.

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A seleção inglesa venceu a Copa do Mundo apenas uma vez, em 1966. Os pilotos ingleses costumam repetir esse roteiro. Nenhum outro pais tem tantos corredores “monocampeões”: Mike HawthornJohn SurteesJames HuntNigel MansellDamon HillLewis Hamilton e Jenson Button.

Qual desses pilotos seria equivalente à Inglaterra? Os torcedores ingleses, apaixonados por ambos os esportes, adorariam que fosse Lewis Hamilton (talentosíssimo, com muitas glórias pela frente). Mas acho que eles estão mais para Damon Hill (ganhou uma vez só e olhe lá.).

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A França teve grandes momentos nas Copas (como em 1958, terceira colocada com Just Fontaine, ou nos anos 80, com a geração de Platini e Giresse). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como cair na primeira fase em 2002 e 2010 ou levar o uniforme errado para o jogo em 1978.) E seguia sem ganhar.

Até que em 1998, liderada por Zidane, finalmente foi campeã. No fim, uma lavada em cima dos brasileiros: 3 a 0.

Nigel Mansell teve grandes momentos na Fórmula 1 (foi três vezes vice-campeão mundial nos anos 80). Mas nunca ganhava o titulo. Também teve alguns episódios lamentáveis (como bater a cabeça em uma ponte após uma vitória enquanto dava tchauzinho para a torcida ou deixar o carro morrer na última volta enquanto… dava tchauzinho para a torcida). E seguia sem ganhar.

Até que em 1992, no supercarro da Williams, finalmente foi campeão. No fim, uma lavada em cima de um brasileiro (Ayrton Senna): 108 pontos a 50.

França ————————> Mansell.

Argentina, Itália, França e Uruguai?

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A Espanha é atual campeã do mundo de futebol. Tem jogado bonito. Tem vencido com autoridade. Tudo igual ao bicampeão Sebastian Vettel. Mas se a Fúria espanhola for mesmo o moleque da equipe do touro vermelho, aí ferrou. Isso quer dizer que a Espanha vai ganhar as 5 próximas Copas…

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Droga, faltou a Alemanha. Quem poderia ser?

Jackie Stewart, tão tricampeão quanto? Émerson Fittipaldi, um especialista em se aproveitar do erros e dos infortúnios dos adversários, como sempre foi a pragmática seleção alemã?

Ou Jack Brabham? Ele também foi três vezes campeão, uma delas na raça: em 1959, a 500 metros da chegada da última corrida, seu carro ficou sem gasolina. O piloto australiano pulou do carro e se botou a empurrá-lo, chegando em quarto.

(Tá certo que nem precisava tanto suor: seu adversário pelo campeonato, Tony Brooks, precisava ganhar a corrida para ser campeão. E foi só o terceiro. Mas beleza, a história é boa.)

Brabham: valente feito um volante alemão (hã?).

Já sei: o também tricampeão Niki Lauda! Calculista a ponto de ser chamado de “O Computador”, seria ele o equivalente em quatro rodas do “futebol-força” alemão?

Ah, sei lá. Talvez a seleção alemã seja mais afeita a carrinhos do que a carrões.

***

Poderia continuar a brincadeira com os países que não foram campeões do mundo. A Holanda seria Gilles Villeneuve. Tanto uma como o outro encantaram fãs do esporte com exibições fantásticas. Até hoje os torcedores babam pela revolucionária seleção laranja de 1974 e pelas manobras malucas do canadense ao volante da Ferrari. Mas nem o pai do Jacques nem o time de Cruyff nunca tiveram o prazer de soltar o grito de campeão.

Quem mais? O Japão? Moleza: Satoru Nakajima. El Salvador, que levou a maior goleada das Copas? Yuji Ide. E Camarões? E a Suécia? A Tchecoslováquia?

Chega. Melhor parar por aqui. Não porque eu tenha noção do ridículo. Mas porque, ao contrario da Copa, a temporada de F-1 já vai começar.

Eba.