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O Despertar pra Copa*

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Dia frio e seco de outono em São Paulo. Um homem de quase 40 anos desperta do sono, com uma leve dor de cabeça e um mal-estar pelo corpo. Tem aquela sensação de quem dormiu além da conta. Olha em volta e percebe que está em um quarto de hospital. Assim que tenta se levantar – sem sucesso, diga-se de passagem – uma enfermeira se aproxima da cama. Parece espantada por vê-lo acordado e sai pela porta dizendo que vai chamar um médico. Logo ele nota o rosto de um velho conhecido a seu lado no quarto.

– Pô, quem diria que você acordaria bem no dia em que eu tivesse um tempinho pra te fazer uma visita…

– Como assim…?

– Ah, faz tempo que eu tava pensando em dar uma passada, mas o trampo na agência…

– Não, não… Quero dizer, “como assim, acordar…?”

O amigo puxa a cadeira para perto da cama e sua expressão, antes de leveza e alegria, fica pesada e séria.

– Cara, você não lembra? Faz 4 anos que você tá assim…

– Assim como?

– De cama… Sem acordar…

– Eu tava em coma?

– Mais ou menos… Bom, os médicos nunca conseguiram diagnosticar exatamente o que você teve…

– Não entendi. O que aconteceu? Foi acidente?

– É, dá pra dizer que foi… Não gosto nem de lembrar.

– Fala logo ou vou ter um piripaque!

– Outro piripaque não! Espera o médico chegar. Vai que você não pode reviver o que causou o trauma.

– Trauma? É, pode ser…

– Vamos mudar de assunto.

– Tá, tá… Até porque esse papo já tá me dando mais dor de cabeça. Pô, 4 anos, né? Deve ter mudado muita coisa…

– Pois é…

O homem se ajeita na cama enquanto o amigo vai lhe contando as novidades.

– E minha família?

– Todos bem, inclusive a sua sobrinha de 3 anos.

– Eu tenho uma sobrinha de 3 anos?! Caraca! Como ela é? Tem foto pra eu ver?

– Segura a ansiedade que ela tá vindo aí com sua família. Já mandei uma mensagem pra eles.

– Ah, boa. Que baita novidade. O que mais rolou?

– Tanta coisa… Nem sei por onde começar.

– A gente tinha um blog para falar da Copa, né?

– Pois é, tô escrevendo semana sim e outra também pra manter nosso blog ativo.

– Tá no ar ainda? Boa. E a seleção? A última coisa que lembro é que tava aos trancos e barrancos na Copa…

– Mudou muito de lá pra cá. Do que mais você lembra?

– Deixa eu ver… Thiago Silva capitão, o gol contra do Marcelo, o Neymar se contundindo…

– Tem muita gente nova no time, mas o Thiago e o Marcelo tão aí até hoje. E o Neymar foi confirmado com a 10 depois de se recuperar da contusão.

– Nossa, ele ainda tava se recuperando da entrada do Zuñiga?

– Não, tava em tratamento de outra contusão… Aliás, daquele time, o Dani Alves e o Fred tão fora de ação, contundidos.

– Dani Alves seguir na seleção, ok. Mas o Fred “cone”?

– Cara, quanto rancor. O Fred até recuperou o faro de gol depois da Copa.

– Difícil de acreditar… Ele ainda é o camisa 9?

– Não, o 9 é o Gabriel Jesus. E o reserva do ataque é o Firmino.

– Jesus? Firmino?

– Os dois surgiram depois da Copa de 2014 e tão entre os 23 convocados pelo Tite pra Copa na Rússia.

– Ah, o Tite assumiu a seleção depois de 2014. Demorou!

– Demorou mesmo porque quem assumiu depois da Copa foi o Dunga. O Tite só veio em 2016.

– Dunga de novo?! É sério? Não faz sentido algum.

– Desencana de tentar entender. E aí, mais alguma lembrança vem à cabeça?

– Bom, o Brasil tava na semi contra a Alemanha, com Bernard e sem Neymar. Me dava até um desespero…

– Vai com calma aí.

– Peraí, agora eu tô lembrando: o Brasil tava perdendo de lavada! E no primeiro tempo!

– Olha o monitor cardíaco bipando: você tá ficando agitado. E cadê o tal médico que tava vindo? Enfermeira!

– Tá bom, tá bom. Mas me conta o que aconteceu. Tem a ver com meu trauma?

– Então… Você entrou em choque quando o Brasil tomou o terceiro gol e não conseguiu mais ver o resto do jogo. Na verdade, nenhum de nós conseguiu. A gente chamou a ambulância e veio pro hospital com você.

– Que trauma. A Alemanha foi pra final então?

– Sim, os alemães pegaram os hermanos na decisão.

– Argentina finalista?! Com aquele time? Só o Messi se salvava. Deve ter sido outra lavada…

– Pior que não. Teve grande chance de ganhar. O Higuaín perdeu um gol feito quando tava zero a zero. Na prorrogação, a Alemanha fez 1 a 0 e levou o caneco.

– Quem diria, o time que nos massacrou contra a nossa maior rival na final. A torcida deve ter ficado dividida.

– Na verdade, os brasileiros torceram em massa pelos alemães. Nossos vizinhos ficaram bem chateados com isso.

– Os Almeida ficaram chateados?

– Não, os meus vizinhos… Os nossos vizinhos: os argentinos.

– Ah, entendi. Mas depois daquela goleada na semi, dá pra entender por que os hermanos esperavam apoio da nossa torcida.

– Com certeza. Mas a rivalidade falou mais alto.

– Eu não sei o que faria. Acho que não conseguiria torcer pelo time que acabou com nosso sonho do Hexa.

– Foi difícil mesmo.

– Pô, torcer pros “culpados” pela nossa maior derrota em uma Copa jogando em casa…

– É, o Maracanazzo já não detém mais esse título.

– Fora a humilhação de levar 3 a 0 em pleno Mineirão…

– Ih, azedou… Você ainda acha que o jogo acabou 3 a 0? Peraí, que agora eu preciso ter certeza de que alguém tá vindo pra te medicar… Enfermeeeeeira!

*História baseada em fatos bem reais e outros nem tanto pra marcar a volta ao blog após 4 anos.

Postado por: Flavio Tamashiro

A Argentina perdeu para a Alemanha e para a Maldição de Tilcara

Postado por: Henrique Rojas

1986, ano de Copa do Mundo no México. O mês era janeiro e o treinador Salvador Carlos Bilardo resolveu levar seus convocados até a pequena e mística cidade argentina de Tilcara para um período de treinamentos.

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Ar rarefeito, grama rarefeita.

A escolha pelo local parecia inusitada, mas era justificável: com 2.460 metros acima do nível do mar, Tilcara era uma das raras opções para simular a altitude que os albicelestes enfrentariam alguns meses depois.

É bom lembrar que o selecionado argentino havia sido campeão do mundo em 1978, mas ao que tudo indicava, a eliminação frente Brasil e Itália na segunda fase do mundial de 1982 parecia ter mexido com os brios e a confiança dos hermanos. Por isso, durante uma pausa nos treinos, o grupo de jogadores foi até a igreja local e prometeu à Virgen de Copacabana del Abra de Punta Corral que, caso conquistassem o bicampeonato, voltariam com a taça para agradecer.

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Pelo menos a nossa Virgem tem manto azul.

Pois a história nos conta que a Argentina não apenas levou o caneco pra casa, como o fez de maneira invicta (6 vitórias, 1 empate, 14 marcados) e com a mão, vejam só, de Diós. Logo, é bem possível que a tal Virgem de Corral fosse bem chegada do Todo Poderoso…

O problema é que a promessa jamais foi paga. Nenhum atleta, nem mesmo Bilardo e sua comissão técnica, regressaram a Tilcara para agradecer.

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La mano del diablo.

E desde então, a história também nos conta um sem número de fracassos dos nossos vizinhos em Copas – incluindo aí dois vice-campeonatos, um deles no último domingo, diante da Alemanha no Maracanã.

Reza a lenda que moradores locais já fizeram por mais de uma vez a campanha Vuelvan a Tilcara. Mas como nenhum funcionário da AFA parece interessado na história, a maldição continua. E nem o Papa parece capaz de curar.

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Vulven a Tilcara. O no.

Amém.

“Vou torcer para o Brasil perder na semifinal!”

Postado por: Flávio Tamashiro

A frase acima foi dita em alto e bom som por uma torcedora brasileira a seu acompanhante na saída do Estádio Mané Garrincha após o jogo Brasil x Camarões. Tudo porque ela lembrou que só tinha ingressos para mais um jogo: a disputa do 3º lugar em Brasília. E antes mesmo da reação de indignação que tomaria seu acompanhante e os torcedores à sua volta, ela completou a pérola: “É, porque se for minha única chance de ver o Brasil jogar na Copa de novo, prefiro que a seleção dispute o 3º lugar!”

"Perder na semi? Tem dó!"

“Perder na semi? Tem dó!”

A reação dos torcedores foi de censura ainda que silenciosa: olhares de reprovação, risinhos de ironia, gente balançando negativamente a cabeça. Alguém comentou baixinho o quão egoísta era aquele pensamento. Muita gente concordou. “Como alguém pode pensar somente em si mesmo? E em plena Copa do Mundo!”, diria um amigo.

Mas pera aí? Pensar em si mesmos não é o que 99% dos torcedores fazem? E não vale falar da famosa torcida por solidariedade – “Ah, vou torcer pela França também porque meu avô é francês.”

"Eu sou mais eu!"

“Eu sou mais eu!”

Que eu saiba ninguém torce pelo Brasil pensando na felicidade do irmão, do amigo, do vizinho, do avô. Você pode até ter começado a torcer por influência de algum deles, é verdade. Mas com certeza hoje a pessoa que você mais quer ver feliz depois do jogo é você mesmo. E pode apostar que não é um fenômeno brasileiro: deve acontecer a mesma coisa com torcedores na Argentina, na Alemanha e… na Colômbia.

"Pelo amor dos meus filhinhos! Muda o time, Felipão!"

“Pelo amor dos meus filhinhos! Muda o time, Felipão!”

* * *

Nesta Copa, acompanhei dois amigos colombianos nas partidas da seleção deles em Brasília e Cuiabá. A torcida de nossos vizinhos é animada, festeira e fanática por futebol como nós. Na verdade, posso dizer que são mais animados do que nós no que diz respeito a torcer por sua seleção. Meu amigo Juan diz que os 16 anos dos “Cafeteros” longe das Copas é um dos motivos da invasão colombiana no Brasil em 2014.

Sou o colombiano da direita.

Sou o colombiano da direita.

A festa da torcida brasileira no confronto contra Camarões não chegou perto da algazarra provocada pelos colombianos nas partidas contra Costa do Marfim e Japão. Parabéns para eles. O futebol deles também enche mais os olhos do que o da nossa seleção. Ponto para eles novamente.

Febre Amarela nas arenas brasileiras

Febre Amarela nas arenas brasileiras

A vibração deles nas arquibancadas é contagiante. Não é à toa que se sentiram em casa em todas as partidas até agora. Eu mesmo me peguei vibrando com os gols de James e Quintero. Mas hoje a história muda de figura. O jogo é Brasil x Colômbia. Desculpem-me o egoísmo, amigos Juan e Andrés. Sei que sentirei falta da festa colombiana, mas após a partida eu espero poder comemorar mais do que vocês.

Vai, Brasil! P*rra!

Vai, Brasil! P*rra!

Nossos gritos – ou a falta deles – para a Copa

Postado por: Henrique Rojas

Toda as vezes em que estou assistindo a um jogo da Seleção Brasileira e escuto a torcida cantar em uníssono “eu sou brasileiro / com muito orgulho / com muito amor”, me bate uma pontinha de vergonha.

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Com orgulho. Com amor. Mas sem gritar.

Nada contra o grito em si, que veio do vôlei, fez e faz muito sucesso nas quadras. Mas tudo contra ele ser entoado em um estádio de futebol. Afinal, quem frequenta canchas voltadas ao esporte bretão, sabe que este canto nada tem a ver com a atmosfera do esporte. Usando a linguagem popular, não orna.

O máximo que dá pra entoar nas arquibancadas de um jogo canarinho é o pouco criativo – embora assertivo – “Bra-sil! Bra-sil!” (assim, com o hífen e pausa enfática). E olhe lá!

E aí, amigos, confesso ter não uma ponta, mas um iceberg de inveja de outros países sul-americanos. Os argentinos, que tem tradição em cantos futebolísticos e os exportam para o mundo, têm a belíssima “Vamos vamos Argentina”. Os chilenos têm seu vivíssimo “Chichichi lelele”, os uruguaios têm seu “No puedo parar” e assim por diante.

Na Europa, ainda é fresco na minha memória os gritos de “Allez les bleus” promovidos pelos franceses em 1998. Os ingleses, fãs incondicionais do rock nacional, geralmente se aproveitam das letras de Beatles e Oasis para incentivar o English Team. Alemães e gregos também nos deliciam com gritos empolgantes ligados ao futebol.

Mas, por aqui, ainda somos brasileiros, com muito orgulho e com…zzzzzzzz. Muito disso é culpa da CBF que, após décadas vendendo nossos amistosos para o exterior, não colaborou para a criação de uma torcida brasileira de verdade. Só o que ainda anima nossa gente são a tradicional ola, que nasceu no México durante a Copa de 1986 e que – reza a lenda – foi inventada por uam agência de publicidade americana para promover a Coca Cola durante o Mundial.

Enfim, pode até ser que nem todas as nações tenham seus gritos de incentivo. Mas a minha opinião é que, se for para continuarmos com os nossos, que seja cantando e dançando em tom jocoso – como fizemos ao meter 6 a 1 nos espanhóis em 1950, indo a uma tourada em Madri.

A Copa do Mundo dos pênaltis não é nossa

Postado por: Henrique Rojas

Certa vez, Antonio Franco de Oliveira (o lendário Neném Prancha) afirmou que pênalti é tão importante que deveria ser batido pelo presidente do clube. Imagine, então, quando se trata de uma disputa de penalidades máximas valendo vaga na próxima fase de uma Copa do Mundo.

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Acabooou, acaboooou… É tetraaaaaa!!!

 

O desempate em jogos eliminatórios através da marca da cal existe desde o mundial de 1978, na Argentina – ano onde, curiosamente, não houveram empates nas fases finais. A partir de 1982, no entanto, os pênaltis começaram a se fazer presentes para alegrar ou aterrorizar quem lá está.

Brasileiros que somos, logo lembramos de 1994, Rose Bowl, Baggio, um verdadeiro field goal, cambalhota no gramado e “é tetra”. Outros irão até se lembrar das semifinais de 1998, quando eliminamos a Holanda em grande presença de Taffarel. Se voltarmos a 86, no entanto…

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Deu ruim pro Galinho

O fato é que, se a Copa do Mundo fosse decidida somente em disputas de pênalti, dificilmente seríamos penta.

O time mais frio do mundo nessas horas é – adivinhem? – o alemão, que contabiliza quatro decisões e quatro vitórias (82/86/90/06). Os argentinos vêm logo atrás, com três triunfos, e depois temos França (já mencionei 1986?) e Brasil, com duas explosões de êxtase.

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Os alemão pira

Já os países que mais amarelam na hora de bater penalidades, contando com três derrocadas em mundiais, são Itália (já mencionei 1994?) e Inglaterra (que, sem presidente, teria que pedir ao Príncipe Charles para que cobrasse). França, México, Espanha e Romênia seguem a fila, com um duplo fracasso.

England players appear dejected after losing to Italy on penalties

Motherfucker penalties

O histórico da Copa mostra que em 204 penais já batidos em decisões deste tipo, 144 foram convertidos, 41 defendidos e 19 desperdiçados. Mas, sinceramente, quem liga para os 71% que entraram se são os outros 29% que ficam marcados?

Marcos, o Santo que pegou várias cobranças na carreira (mas não precisou pegar cobranças do tipo em 2002), disse certa vez que o momento do penal é todo do goleiro. Fazer é obrigação, pegar não.

Taffarel_Brazil_penalty_Nederland-1998_France

Sai que é sua, Taffarel \o/

Zico, Baggio, Gerrard e tantos outros craques sentiram isso na pele e deu no que deu. Sorte a nossa que antes da hora fatal temos 120 de bola rolando.