Para inglês (não) ver (a cor da bola)

Ainda a Inglaterra.

Que, como sabemos, é freguesa. Os ingleses também sabem disso. Mas não se incomodam muito, não.

Parece que eles, os responsáveis pela organização e disseminação do futebol moderno, consideram os brasileiros os responsáveis por levar o esporte que formataram ao seu estágio mais alto.

Seríamos, portanto, uma referência, uma baliza. Para o inglês, medir forças conosco é se comparar à perfeição para descobrir seu real valor — cá entre nós, não muito alto.

(O engraçado é que antes o inglês se achava o big fucker of the Peixoto neighbourhood quando o assunto era futebol. Com razão, até: os caras tinham criado as regras e ensinado o resto do mundo a jogar, ora essa. Recusavam-se a disputar Copas do Mundo como se fossem, vejam só, hors-concours.

Pois essa arrogância acabou justamente no Brasil, na Copa de 1950. Na primeira vez que aceitou exibir sua majestade num Mundial, a Inglaterra trombou com a maior das zebras. Em Belo Horizonte, perdeu de um a zero dos EUA, que na época eram ainda mais perebas que hoje, e voltaram pra casa.)

Uma das maiores provas do enorme respeito inglês a uma certa camisa amarela está no fascínio pelo Brasil x Inglaterra da Copa de 1970.

Bobby and the King

 

Que, de fato, foi um jogão. Para eles, O JOGO. Justamente por reunir a melhor companhia que a rainha conseguiu montar (a equipe campeã de 1966) e o maior time de todos (o do Rei e companhia).

“Febre de Bola”, de Nick Hornby, tem um capítulo inteiro sobre a seleção brasileira de 1970. Ainda criança, o escritor inglês enxergava as “engenhosas e desconcertantes” firulas dos jogadores brasileiros como equivalentes futebolísticos do assento ejetável do Aston Martin do James Bond. Perto do Brasil, os outros times não passavam de carros ordinários.

O menino ficou feliz da Inglaterra ter jogado de igual para igual (e jogou, mesmo) com do melhor time do mundo. Mas no final chorou quando o time de branco caiu ante à equipe que apresentou um “ideal platônico” que nem os próprios brasileiros seriam capazes de igualar.

Boa parte da imprensa inglesa apontou aquele jogo da primeira fase da Copa de 70 como o melhor de todos Mundiais. Mais: que a partida foi palco da melhor defesa de todos os tempos, de Gordon Banks em cabeçada homicida de Pelé:

(Diz a lenda que Pelé já estava comemorando quando viu o inglês pular como “um salmão” e espalmar. “Achei que era gol”, disse o Rei. “Eu também”, respondeu Banks. Bobby Moore, ainda boquiaberto, arranjou oportunidade para demonstrar o legítimo humor inglês: “Você já foi melhor, Gordon. Antes, você agarrava essas bolas…”)

Segundo os ingleses, o jogo teve até o maior desarme de todos os tempos (de Bobby Moore, um primor de elegância, sobre Jairzinho, artilheiro da Copa)!

Mas esse jogo duríssimo não foi decidido por defesa ou carrinho nenhum, e sim por uma jogada antológica de Tostão (que deu cotovelada em um, uma caneta em outro e deixou um terceiro no chão), Pelé (que recebeu a bola e a marcação de três defensores desesperados para então passar calmamente para o lado) e Jairzinho (que fuzilou Banks e saiu em linda disparada, numa das comemorações mais alegres das Copas).

Sorry, guys.

(Veja no vídeo as incríveis chances perdidas dos dois lados, o respeito ao Pelé no fim do jogo e porque o Félix é o nosso Ringo.)

Postado por: Marcos Abrucio

3 Respostas para “Para inglês (não) ver (a cor da bola)

  1. Pingback: 80 pesos « Copawriters

  2. Pingback: ¡Las Diez Más! « Copawriters

  3. Pingback: A mensagem é o meio « Copawriters

Deixe um comentário